terça-feira, 1 de setembro de 2020

Farmacocinética 1 - 2.0

Boa tarde pessoal.

A linhagem das matérias 2.0 nos diz o seguinte: são materiais antigos aqui do blog, repaginados com os novos conhecimentos que adquiri até o momento. Ou seja, são versões atualizadas.

Hoje, começo a reapresentar as matérias de Farmacologia, e o pontapé inicial é a primeira parte da Farmacocinética.

Antes de iniciarmos, vale lembrar:

"Fármacos não criam efeitos em nosso organismo, não existe mágica. Eles apenas modificam alguma função fisiológica já existente".


Nós podemos dividir a interação do fármaco com o organismo em dois grandes tópicos, que são duas das grandes áreas estudadas pela Farmacologia:

  1. Farmacocinética: é o trânsito do fármaco no nosso organismo e também as ações do nosso organismo sobre o fármaco. Aqui entram a Absorção, a Distribuição, o Metabolismo/Biotransformação e a Excreção dos fármacos. Na figura abaixo, esses quatro processos estão abreviados como ADME.
  2. Farmacodinâmica: efeitos do fármaco sobre o nosso organismo, aqui entra o conceito fundamental que é a interação entre fármaco e receptor (FR), única forma possível do fármaco conseguir cumprir seu efeito em nosso organismo.




Farmacocinética:

De forma bem resumida, a farmacocinética explica o trânsito ou o caminho que o fármaco percorre em nosso organismo após ingerido ou aplicado. Pode ser vista como as ações do nosso organismo sobre o fármaco.

Então, a farmacocinética engloba os seguintes processos:



Agora, vamos falar sobre cada um deles, com mais detalhes.
Na aula de hoje, focaremos o estudo na Absorção e na Distribuição dos fármacos.

1- Absorção:

A absorção é a primeira etapa dentre os processos que compõem a Farmacocinética.

A absorção está relacionada a algumas vias de administração do fármaco, como a Oral, retal, sublingual e intramuscular, por exemplo.

A absorção está relacionada e é influenciada pelos fatores físico-químicos da molécula do fármaco e também pela membrana celular, a famosa bicamada lipídica. Eles costumam atravessar a membrana por difusão simples.

Tratado de Fisiologia Médica - Guyton



As características de um fármaco que influenciam na sua absorção são as seguintes:
  • Peso molecular e configuração;
  • Lipossolubilidade.
  • Grau de ionização (moléculas não-ionizadas tendem a ser mais lipossolúveis).

Para quem quiser relembrar a estrutura da membrana celular, composta principalmente por fosfolipídeos (dai o nome bicamada lipídica), pode acessar o link abaixo:

É por isso que substâncias lipofílicas tendem a ser absorvidas com maior facilidade. 
Independente se a barreira a ser atravessada pelo fármaco é composta por uma camada de células (como no estômago) ou diversas camadas (como a pele), a membrana celular é o obstáculo comum.

Importante ressaltar aqui que, Absorção é diferente de via de administração!

Vias de administração incluem: Oral, parenteral (injeções), tópicas (pele, olho) e retal.
Cada uma das vias de administração possui vantagens e desvantagens. Mas teremos uma matéria exclusiva para falar delas.

Quando falamos sobre administração, gosto de comparar as diferenças entre duas das vias de administração mais utilizadas, a Via Oral (VO) e a Via intravenosa (VI):

  • Primeira diferença: a via de administração oral depende da absorção, que ocorre no estômago e/ou no intestino, fator influenciado pelas características físico-químicas da molécula do fármaco e de características do organismo, como a acidez estomacal e a quantidade de alimento no estômago, que altera o tempo de esvaziamento gástrico. Quando falamos da via intravenosa, não existe a fase de absorção, pois o fármaco cai diretamente na corrente sanguínea.
  • Segunda diferença: como é absorvida no trato gastrointestinal, o fármaco administrado por via oral passa por um primeiro metabolismo hepático, conhecido como Efeito de Primeira Passagem no Fígado. Esse efeito de primeira passagem é indispensável nos estudos para desenvolvimento do fármaco e também deve ser considerado durante a escolha do esquema terapêutico do paciente. Praticamente tudo que é absorvido em nosso TGI passa pelo fígado antes de chegar à corrente sanguínea (lembrem-se da fisiologia, isso é um importante mecanismo de defesa do nosso organismo).
  • Terceira diferença: como passa pelo fígado, grande parte das moléculas do fármaco são quebradas e inativadas (metabolizadas), ou sofrem algum tipo de transformação. Então, para a maioria dos medicamentos, existe uma grande diferença entre a dose administrada e a quantidade do fármaco que chega até a circulação sanguínea. O que não ocorre na via intravenosa, uma vez que toda a dose aplicada chega à circulação sanguínea e, consequentemente, estará disponível para interagir em seu local de ação.
  • Quarta diferença: essa total disponibilidade do fármaco intravenoso é ao mesmo tempo uma coisa boa e uma coisa ruim, visto que um erro na dosagem torna impossível a retirada do fármaco, podendo causar graves problemas ao paciente, como uma reação alérgica. Fármacos administrados por via oral podem, em caso de intoxicação, ser em parte retirados por uma lavagem gástrica.

A figura abaixo mostra um pouco dessa diferença entre essas duas vias tão populares, em relação ao efeito de primeira passagem no fígado e à chegada do fármaco na corrente sanguínea:

                                                            Eu que fiz =)


2) Distribuição:

Distribuição do fármaco é a transferência do mesmo do seu local de administração/absorção para o seu local de ação, e a amplitude em que isso ocorre.

Para falarmos de distribuição, precisamos entender primeiro o que é a biodisponibilidade.

- Biodisponibilidade: porcentagem do fármaco que chega ao seu local de ação, se liga ao receptor, e consegue cumprir o seu papel. Este termo não é exclusivo dos fármacos e é também utilizado para nutrientes e outras substâncias, referente à porcentagem da substância que o organismo consegue, de fato, utilizar (por exemplo, a quantidade de cálcio que nosso organismo realmente vai aproveitar depois de tomarmos um copo de leite).

Fatores que influenciam na distribuição de um fármaco:
  • Débito Cardíaco;
  • Fluxo Sanguíneo Regional;
  • Permeabilidade Capilar;
  • Volume Tecidual.

Esses quatro fatores influenciam diretamente a taxa de liberação e a quantidade dos fármacos nos tecidos.

Costuma-se distinguir duas fases da distribuição:
  1. A primeira fase de distribuição ocorre nos órgãos mais irrigados do corpo, como fígado, rins, cérebro e pulmões.
  2. A segunda fase, mais lenta, ocorre nos órgãos e tecidos menos irrigados, como os músculos, tecidos adiposo, pele e a maioria das vísceras.
Podemos observar essa "ordem" da distribuição do fármaco no organismo:
Com tudo o que vimos até agora, como os fatores que afetam na absorção e na distribuição de um fármaco, fica mais fácil entendermos o porque o tratamento de uma micose de unha ou cabelo pode durar de 6 meses até mais de um ano. Pois o fármaco demora a chegar nestes locais e, quando chega, já está disponível em uma concentração bem inferior à inicial.

Outro fator que afeta na distribuição dos fármacos até o seu local de ação é a ligação do fármaco às proteínas plasmáticas (talvez o fator mais importante).

Alguns fármacos circulam na corrente sanguínea ligados a proteínas plasmáticas, e duas das mais conhecidas são:
  1. Albumina: que liga fármacos ácidos;
  2. Glicoproteína alfa 1: que liga fármacos básicos.


A ligação do fármaco a proteínas plasmáticas é um processo saturável e facilmente reversível. Quem consegue cumprir a função é apenas a fração livre do fármaco, sendo que a quantidade de fármaco dentro e fora das células (ou livres e ligados às células cumprindo sua função) é o que determina a porcentagem do fármaco que vai permanecer ligado às proteínas ou vai se soltar e chegar aos tecidos.

Assim, a ligação do fármaco às proteínas plasmáticas limita sua concentração nos tecidos e em seus locais de ação. Uma vez que apenas a fração livre do fármaco vai exercer sua função.

É importante considerar também que alguns fármacos se ligam e ficam armazenados em alguns tecidos, como o tecido adiposo e nos ossos. O que precisa ser levado em consideração em um esquema terapêutico, para evitar o excesso de fármaco ou a falta do mesmo, podendo assim cumprir suas funções sem causar grandes efeitos adversos, uma vez que os reservatórios costumam prolongar a ação de um fármaco.


Redistribuição:

Para fecharmos essa primeira parte da aula de Farmacocinética, precisamos falar do processo de redistribuição. 
A redistribuição é a saída do fármaco do seu local de ação para outros tecidos, um dos meios pelo qual a ação do fármaco vai diminuindo ao longo do tempo.

Importante considerar que este processo também ocorre em outras situações que não só desligar do receptor e sair do tecido/órgão-alvo, via leite materno e a distribuição materno-fetal via cordão umbilical devem sempre ser considerados e levados muito a sério.

Para exemplificar a redistribuição materno-fetal e sua importância, sempre relembro o caso do medicamento conhecido como Talidomida, liberado no Brasil na década de 50 para tratar enjoo de grávidas. Como era vendido sem qualquer restrição e realmente tirava o enjoo, muitas mulheres tomaram constantemente, e alguns meses depois, quando os filhos começaram a nascer, notou-se um efeito catastrófico. Esse fármaco causava graves deformações no corpo das crianças, era uma droga teratogênica. O grande problema aqui é que os enjoos ocorrem no primeiro trimestre de gravidez, período de grande fragilidade no desenvolvimento, e também, o que foi constatado apenas depois do problema, que apenas uma dose do fármaco já era suficiente para causar as mutações.

Para quem tiver interesse, recomendo a leitura do site apresentado na figura abaixo:



Por hoje está bom né meu povo?
Semana que vem solto a Farmacocinética 2 - versão 2.0.

Bons estudos e qualquer dúvida coloque nos comentários aqui em baixo que eu respondo.

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