quarta-feira, 6 de maio de 2020

Fisiologia Cardíaca - parte 1

Boa tarde pessoal,
Na aula de hoje vamos aprender um pouco sobre a fisiologia cardíaca.

Esse conteúdo foi retirado e atualizado a partir da aula de Fisiologia Cardiovascular aqui do blog, que publiquei originalmente em 24 de Abril de 2019.


O coração, como representado na figura abaixo, é formado por duas bombas distintas, uma direita (que bombeia sangue para o pulmão) e uma esquerda (que bombeia sangue para o resto do corpo). 

Cada uma dessas porções possuem duas divisões, um átrio e um ventrículo. A função do átrio, em ambos os lados, é receber o sangue e enviá-lo ao ventrículo. O ventrículo, por sua vez, possui uma contração mais vigorosa, capaz de enviar o sangue para a circulação pulmonar (ventrículo direito) ou para a periferia do corpo (ventrículo esquerdo).


Mecanismos especiais no coração promovem uma sucessão contínua de contrações cardíacas, o que na Fisiologia recebe o nome de Ritmo Cardíaco, transmitindo potenciais de ação pelo músculo cardíaco, causando os batimentos rítmicos característicos do nosso coração.

Fisiologia do Músculo Cardíaco:

O coração é composto por músculo estriado cardíaco, que podemos dividir em três subtipos musculares:
  1. Músculo atrial (dos átrios);
  2. Músculo ventricular (dos ventrículos);
  3. Fibras especializadas excitatórias e condutoras.

Músculo atrial e ventricular apresentam uma contração semelhante àquela dos músculos esqueléticos, porém com uma duração muito maior da contração (já vamos entender o por que!).

As fibras excitatórias e de condução, no entanto, apresentam contração fraca, pois possuem poucas fibras contráteis. Até porque contrair não é a grande função delas, pois elas apresentam descargas elétricas rítmicas e automáticas (característica única do músculo cardíaco), na forma de potenciais de ação, OU fazem a condução desses potenciais de ação pelo coração, representando sistema excitatório que controla os batimentos rítmicos. O nome das fibras indica qual faz o que das funções descritas acima, certo? 

A figura seguinte mostra uma representação da histologia do músculo cardíaco:


Nota-se que as fibras musculares cardíacas se dispõem em malha ou treliça, se dividindo, se recombinando, e novamente se separando. Nota-se, também, que o músculo cardíaco é um músculo estriado. Da mesma forma que o músculo esquelético, são compostos de filamentos de actina e miosina. Porém, suas semelhanças com o músculo esquelético ficam por aqui.

Observe na figura a presença de listras escuras que cruzam as fibras miocárdicas. Essas listras recebem o nome de Discos Intercalados. Esses discos intercalados são, na verdade, membranas celulares que separam as células miocárdicas umas das outras. 

O que nos mostra uma diferença marcante entre as células musculares cardíacas e as células musculares esqueléticas, uma vez que no músculo esquelético, as fibras são as células musculares, que por sua vez são multinucleadas.

As fibras musculares cardíacas são multicelulares, ou seja, são compostas por várias células individuais, conectadas em série e em paralelo umas com as outras.

Em cada disco intercalado, as membranas celulares se fundem entre si, formando as famosas junções comunicantes ou "gap junctions", que permitem rápida difusão dos íons entre uma célula e outra. 

Assim, analisando funcionalmente, o potencial de ação em uma célula muscular cardíaca é facilmente passado para a célula seguinte e assim por diante, permitindo que quando uma delas é excitada, o potencial de ação se espalhe para todas as outras. Na fisiologia, diz-se que as células do miocárdio formam um sincício de muitas células cardíacas conectadas. 

O coração é, na verdade,  composto por dois sincícios: 

  • o sincício atrial, que forma a parede dos dois átrios; 
  • o sincício ventricular, que forma a parede dos dois ventrículos. Os átrios são separados dos ventrículos por tecido fibroso que circunda as valvas átrio-ventriculares (A-V). 


Normalmente, os potenciais de ação não atravessam  essa barreira fibrosa para atingir diretamente os ventrículos a partir do sincício atrial. Em vez disso, eles são conduzidos por meio de sistema especializado de condução, chamado feixe A-V (átrio-ventricular), o feixe de fibras condutoras.



Essa divisão do músculo cardíaco em dois sincícios funcionais permite que os átrios se contraiam um pouco antes da contração ventricular, o que é importante para a eficiência do bombeamento cardíaco.

Potenciais de Ação no Músculo Cardíaco:

O potencial de ação registrado na fibra ventricular difere um pouco do potencial de ação que já estudamos anteriormente na disciplina, quando falamos de músculo esquelético. 

Primeiro que ele tem, em média, 105 mV, mostrando que o potencial intracelular varia de -85 mV até + 20 mV, durante cada batimento (imaginem a velocidade do fluxo de íons para ocorrer tamanha alteração de potencial).

Após o potencial em ponta (spike) inicial, a membrana permanece despolarizada durante cerca de 0,2 segundos, exibindo um platô, ao qual segue-se a repolarização abrupta. A presença desse platô faz com que a contração muscular dos ventrículos dure até 15 vezes mais que as contrações observadas no músculo esquelético.


Mas Bruno, o que causa esse potencial de ação prolongado e com platô, tão diferente do que observamos no potencial de ação dos neurônios e dos músculos esqueléticos?

Duas grandes diferenças nas características das membranas dos músculos cardíaco e esquelético explicam essa diferença no potencial de ação prolongado e a presença de um platô na contração do miocárdio. 

Primeiro, o potencial de ação do músculo esquelético é causado pela abrupta abertura  dos canais rápidos de sódio, o que permite um influxo de uma grande quantidade de íons sódio para dentro da fibra muscular. Esses canais recebem o nome de rápido pois se abrem abruptamente, permanecem abertos apenas por uma fração de segundos, e se fecham também de forma abrupta. Ao final desse fechamento, ocorre a a repolarização (devido à abertura dos canais de potássio), e o potencial de ação termina dentro de aproximadamente um milissegundo.

No músculo cardíaco, o potencial de ação é originado pela abertura de dois canais: os canais rápidos de sódio e um segundo tipo, conhecido como canais lentos de cálcio, também conhecidos como canais de cálcio-sódio (por permitir a passagem dos dois íons). 

Os canais de cálcio são mais lentos para abrir e permanecem abertos por mais tempo, e durante esse tempo que continuam abertos, grande quantidade de íons cálcio e sódio penetra nas fibras miocárdicas, mantendo prolongado o período de despolarização. Por isso o surgimento de platôs no potencial de ação (entre as etapas de despolarização e repolarização).

A segunda grande diferença entre os dois tipos musculares é que, na fibra cardíaca, logo após inicio do potencial de ação, a permeabilidade da membrana celular ao potássio diminui cerca de cinco vezes, o que não ocorre nos músculos esqueléticos.

Diminuindo a permeabilidade aos íons potássio, diminui o efluxo (ou a saída) de potássio, impedindo o retorno rápido do potencial de ação ao seu nível basal (potencial de repouso). Quando os canais lentos de cálcio e sódio se fecham, a permeabilidade ao potássio volta ao normal e a saída rápida dos íons potássio com suas cargas positivas leva o potencial de membrana de volta ao seu estado de repouso (repolarização), encerrando o potencial de ação.

Concordam comigo que, então, dois são os pontos principais para que exista um platô no potencial de ação do músculo cardíaco? O primeiro, os canais de cálcio-sódio, o segundo, a diminuição da permeabilidade da membrana para o potássio (traduzido, uma dificuldade maior para entrada de íons potássio na célula, o que diminui seu influxo).

A velocidade de condução dos potenciais de ação no músculo cardíaco é superior às fibras nervosas mais calibrosas e também às fibras musculares esqueléticas, podendo chegar a 4 m/s nas fibras de Purkinje (que vamos analisar mais a frente nessa aula).

Período refratário do miocárdio:

O músculo cardíaco, como todos os tecidos excitáveis, é refratário à reestimulação durante o potencial de ação. Ou seja, não pode ser excitado novamente, quando já está excitado.

Assim, o período refratário do coração é o intervalo de tempo durante o qual o impulso cardíaco normal não pode excitar novamente a área já excitada do miocárdio. O período refratário normal do ventrículo é de 0,25 a 0,30 segundos, aproximadamente o tempo em que dura o prolongado platô do potencial de ação. Esse é o conhecido período refratário absoluto. 

Temos também, o período refratário relativo, durante o qual conseguimos estimular a célula cardíaca novamente apenas com um impulso excitatório muito mais forte que o convencional. Nesse caso, geraríamos uma contração conhecida como prematura, menos efetiva que a tradicional.

O período refratário do músculo atrial é bem mais curto que o dos ventrículos (0,15 segundos contra 0,25-0,30 segundos) - Faz sentido essa diferença, só imaginarmos que o átrio precisa se contrair um pouco antes que os ventrículos, certo?


Acoplamento Excitação-Contração - função dos íons cálcio e dos túbulos transversos.

O termo "acoplamento excitação-contração" refere-se ao mecanismo pelo qual o potencial de ação provoca a contração das miofibrilas. 

Já observamos o do músculo esquelético, agora vamos observar o do músculo cardíaco, diferente em alguns pontos.

Assim como no músculo esquelético, quando o potencial de ação cursa pela membrana do miocárdio, se difunde para o interior da fibra muscular através dos túbulos transversos (túbulos T). Esse potencial que percorreu a membrana do túbulo T, por sua vez, age nas membranas dos túbulos sarcoplasmáticos longitudinais, causando a liberação de cálcio no sarcoplasma muscular. Rapidamente, esses íons cálcio se dispersam para as miofibrilas, catalisando reações químicas que promovem o deslizamento dos filamentos de actina e miosina, gerando a contração muscular.

Até esse ponto, os músculos cardíaco e esquelético se contraem de forma semelhante. A diferença é que, no músculo cardíaco, os retículos sarcoplasmáticos não são tão desenvolvidos, não armazenando a quantidade de cálcio necessária para a contração. Então, a grande diferença na contração do músculo cardíaco é que ele possui uma segunda fonte de íons cálcio, que são os íons cálcios que entram do meio extracelular através dos túbulos T. Sem esse cálcio adicional, a força de contração do miocárdio seria reduzida e insuficiente para cumprir suas funções.

Assim, podemos perceber que a força da contração cardíaca depende, e muito, da concentração de íons cálcio no líquido extracelular. Na verdade, um coração colocado em uma solução isenta de cálcio para de bater rapidamente. O mesmo não acontece com a força de contração do músculo esquelético, pouco afetada pelas variações de concentração extracelular de cálcio, pois todo o cálcio utilizado na contração do músculo esquelético vem dos retículos sarcoplasmáticos.

Ao final do platô do potencial de ação cardíaco, os canais de cálcio-sódio se fecham e o influxo de cálcio cessa. Os íons cálcios voltam para o retículo sarcoplasmático e também são enviados para o meio extracelular.

Esse processo de acoplamento excitação-contração do músculo cardíaco pode ser observado na figura que se segue:


Aqui termina a primeira parte da Fisiologia Cardíaca pessoal, espero que tenha ajudado no entendimento do conteúdo.

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