quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Farmacodinâmica 1 - 2.0

Boa tarde pessoal,

Até agora conversamos sobre a Farmacocinética, que de uma forma simples nos conta o que nosso organismo faz com o fármaco. Agora, vamos começar a entender o que o fármaco faz no nosso organismo (sua atividade farmacológica) e como ele faz (mecanismo de ação).



A Farmacodinâmica estuda os efeitos fisiológicos e bioquímicos dos fármacos e os mecanismos de ação dos fármacos em nosso organismo.

Colocando de uma forma bem simples, a Farmacodinâmica estuda o que um determinado fármaco causa em nosso organismo (atividade) e como ele faz isso (mecanismo de ação).

O primeiro conceito que precisamos entender para começar a jornada da Farmacodinâmica é o conceito de Receptor. Para não esquecer mais: sem receptor não existe ação! 

Ou seja, assim como algumas moléculas endógenas (como hormônios e neurotransmissores), os fármacos só conseguem gerar uma resposta na célula se existir um receptor para intermediar a comunicação. Costumo brincar com meus alunos que o fármaco fala uma língua que a célula não entende, então o receptor atua como um tradutor.

Nós vamos falar mais sobre receptores na segunda parte da Farmacodinâmica. Agora, precisamos entender que a ação do fármaco começa a acontecer quando o mesmo se liga ao receptor, o que resulta no famoso Complexo Fármaco-Receptor.

Essa ligação é bem específica, e por isso é conhecida como chave-fechadura, porque da mesma forma que só a chave correta destranca a porta da sua casa, só a molécula correta consegue ativar o receptor e transmitir sua mensagem:


Essa figura simples expressa bem essa ideia. Outra figura que acho bem didática para visualizarmos esse conceito é:



Após apresentar esse conceito inicial para tentarmos visualizar a formação do complexo fármaco-receptor, alguns alunos me perguntam se o receptor existe para o fármaco, e a resposta é não. As células possuem receptores pois precisam entender a mensagem que as moléculas endógenas passam na sinalização e comunicação celular.


Até agora tudo tranquilo, e as funções dos receptores? 

Se ligar ao fármaco (acoplamento) e transmitir (traduzir) seu sinal regulador (sua mensagem) para a célula.

Essas duas funções implicam que o receptor tenha pelo menos dois domínios estruturais, um de ligação e um de sinalização.


Observe a figura abaixo, que mostra de uma forma simplifica o conceito de formação do complexo fármaco-receptor:



Quanto mais conhecemos sobre a estrutura de um receptor, maior o nosso poder sobre o desenvolvimento de fármacos cada vez mais seletivos a um determinado receptor, garantindo que em algum momento futuro consigamos utilizar fármacos em pequenas doses, obter uma resposta farmacológica adequada e ainda com um menor risco de efeitos tóxicos (lembrem-se, "a dose faz o veneno").

Então, o conhecimento e o estudo dos receptores tem consequências práticas importantes para o desenvolvimento de novos fármacos e para a tomada de decisões clínicas. Podemos dividir essas consequências em três tópicos principais (diretamente relacionados entre si):


1. Os receptores determinam largamente as relações quantitativas entre dose/concentração do fármaco e efeitos farmacológicos - ou seja, a afinidade entre o fármaco e o receptor define a concentração do fármaco que será necessária para formar um número suficiente de complexos fármaco-receptor para gerar uma resposta farmacológica adequada.

Aqui podemos utilizar a Curva de Dose e Resposta para entender essa relação. A curva dose resposta é um gráfico simples que leva no eixo X a dose do fármaco e no eixo Y a porcentagem de efeito do mesmo. Como podemos ver na figura, ela é utilizada normalmente para comparar a potência de dois fármaco:


No exemplo acima, qual dos dois fármacos é mais potente?

O fármaco A, representado pela linha azul. Porque ele apresenta uma resposta maior em uma dose menor. O que é ótimo se considerarmos que quanto maiores as doses administradas e consequentemente a concentração de um fármaco em nosso organismo, maiores as chances de aparecer os efeitos adversos.

Para fechar esse tópico 1, a clássica figura mostrando a curva dose-resposta de um fármaco em sua concentração e na sua concentração em uma função logarítmica:


2. Os receptores são responsáveis pela seletividade da ação do fármaco - ou seja, o tamanho, o formato e a carga elétrica da molécula do fármaco determinam se ele vai se ligar a um receptor em particular e com que afinidade isso acontece. 

Esse ponto é muito importante pois devemos lembrar da Fisiologia que existem receptores e sítios de ligação em todas as nossas células, em todos os nossos tecidos e órgãos. Tem receptor para todo lado em nosso corpo. Assim, quanto mais seletiva for a molécula do fármaco a um receptor específico, maiores as chances dele não sair se ligando e causando efeitos colaterais nos mais diversos sistemas do nosso organismo.

O conceito de afinidade entre o fármaco e o receptor pode ser visualizado na figura abaixo:



3. Os receptores medeiam as ações de agonistas e antagonistas farmacológicos - aqui entram dois conceitos que costumam confundir a cabeça dos estudantes: Agonista e Antagonista.

Vamos, antes de começar a discutir os termos, analisar a figura a seguir:





As duas figuras são muito didáticas e nos mostram que os fármacos que se ligam ao receptor e o ativa, da mesma forma que o ligante endógeno, é chamado de Agonista. Então, o Agonista é aquele que ativa o receptor, gerando uma resposta (que, como mostra a figura, tende a ser maior que a resposta do ligante endógeno na célula).


Já o Antagonista, por sua vez, é o fármaco que se liga ao receptor mas não o ativa. E, além disso, ele não permite que o composto endógeno se liga e ative, funcionando como uma tampa (muito bem representado na última porção da figura).

Acredito que tenham conseguido entender o conceito de Agonista e Antagonista, mas podemos utilizar mais uma figura para reforçar:




Ainda falando dos Agonistas, eles podem ser divididos em Agonistas Totais (ou Plenos) e Agonistas Parciais. Os Agonistas Totais possuem maior afinidade pelo receptor, formando um maior número de complexos fármaco-receptor e, consequentemente, apresentando um efeito farmacológico maior. Enquanto os Agonistas Parciais possuem uma menor afinidade, formando um menor número de complexos fármaco-receptor, não conseguindo atingir 100% de efeito farmacológico. 



Quando pensamos em Antagonistas, também podemos observar dois tipos principais, os Antagonistas Competitivos e os Antagonistas Não-Competitivos. 
Como o próprio nome diz, os competitivos disputam o receptor com os agonistas, como mostra a figura e o gráfico abaixo:



Quando existe competição entre o Antagonista e o Agonista, se aumentarmos a concentração do Agonista, existe a possibilidade dele atingir seu efeito máximo. Pensem comigo, se aumenta o número de moléculas do agonista e do antagonista não, em algum momentos os Agonistas vão dominar o maior número de receptores e conseguir atingir sua atividade máxima. Isso é mostrado na curva do meio no gráfico acima.

Quando analisamos o Antagonista Não-Competitivo, podemos observar pela curva do meio da figura abaixo que mesmo que a concentração do Antagonista se eleve drasticamente, ele jamais atingirá sua resposta máxima, porque os receptores estarão bloqueados por esses Antagonistas. Usa-se o termo não-competitivo porque eles dão poucas chances para as moléculas agonistas.

Pessoal, para finalizarmos nossa aula de hoje, gostaria de apresentar um último conceito, o de Antagonista Alostérico.
O fármaco (agonista) se liga a um local específico do receptor, o que chamamos de sítio de ação. Um Antagonista alostérico é uma moléculas que se liga em um local diferente do receptor (em outro sítio de ligação), mas ao se ligar ao receptor ele altera a conformação do mesmo (ou seja, muda o formato da molécula do receptor), impedindo que o ligante endógeno se ligue a seu próprio sítio de ação. 

Ou seja, ele é alostérico porque se liga em um ponto diferente do receptor, mas mesmo assim impede a ligação do agonista, o que lhe garante também o nome de Antagonista, visto que o receptor continuará inativo.


É o que mostra esta última figura da nossa matéria ao comparar  um inibidor (que chamamos de Antagonista) competitivo a um Alostérico não competitivo.

Era isso pessoal, entendendo esses conceitos básicos conseguimos continuar a caminhar dentro da Farmacodinâmica.

Bons estudos.

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