sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Revisão de Patologia I

Primeira parte da Revisão de Patologia:

Aula de introdução da Anatomia Patológica - Turma Biomedicina, 2019/01.

Respostas Celulares ao Estresse e às Agressões Tóxicas: Adaptação, Lesão e Morte. 
Livro: Fundamentos de Patologia - Robbins e Cotran.

Patologia: estudo das causas estruturais e funcionais das doenças humanas.

Os aspectos de uma doença que formam o cerne da patologia são:
  • Suas causas (Etiologia);
  • Os mecanismos do seu desenvolvimento (Patogenia);
  • As alterações estruturais induzidas nas células e nos tecidos (Alterações Morfológicas).

A função de uma célula normal requer um delicado equilíbrio entre as exigências fisiológicas dela, limitações de sua estrutura e ainda de sua capacidade metabólica --> O resultado desse equilíbrio é o que conhecemos como HOMEOSTASIA.

As células conseguem alterar seu estado funcional em resposta a um estímulo/estresse moderado e ainda se manter estável.

Quando os estresses fisiológicos são excessivos ou existe algum tipo de estímulo patológico, a célula pode responder de três maneiras:
  1. Adaptação;
  2. Lesão Reversível;
  3. Lesão Irreversível e Morte Celular.

1 - Adaptações ocorrem quando o estresse induz um estado que altera o funcionamento da célula, porém preserva a sua viabilidade. Os mais conhecidos são: Hipertrofia (aumento do tamanho da célula), Hiperplasia (aumento no número de células), Atrofia (diminuição do tamanho celular) e Metaplasia (mudança de um tipo de célula madura para outra).

2 - Lesão Celular Reversível: alterações celulares patológicas que podem ser restauradas à normalidade se o estímulo estressante (agressor) for retirado ou se a causa da lesão não for muito grave.

3 - Lesão Celular Irreversível: ocorre quando o estímulo excede a capacidade da célula se adaptar (atinge um ponto sem retorno - "a gota d'água") e denota alterações patológicas permanentes que causam a morte celular.
Os dois tipos de morte celular são: Necrose e Apoptose.

Necrose: sempre representa um processo patológico. Tipo de morte celular mais comum, envolve um grande edema celular, a desnaturação e a coagulação de proteínas, degradação de organelas celulares e ruptura das células (extravasamento do conteúdo celular). Em geral, um grande número de células adjacente/vizinhas são afetadas, gerando um infiltrado inflamatório.

Apoptose: ocorre em várias funções normais do nosso organismo, como durante a embriogênese e também na morte neuronal programa após o nascimento. Não está necessariamente relacionada à lesão celular. Ocorre quando a célula ativa um programa de "suicídio" controlado internamente, que envolve um distúrbio orquestrado de componentes celulares. Aqui, há uma alteração mínima no tecido vizinho, ocorrendo pouca ou nenhuma inflamação. Morfologicamente, há condensação e fragmentação da cromatina.

Autofagia: a autofagia é uma resposta adaptativa das células à privação de nutrientes. Consiste essencialmente em um auto-canibalismo para manutenção da viabilidade. Porém, pode culminar em morte celular, sendo considerada uma importante causa de perda celular em doenças degenerativas dos músculos e do Sistema Nervoso.

Quadro com as características principais da necrose e da apoptose:





Causas das Lesões Celulares:

  • Ausência de Oxigênio (Hipóxia): afeta a respiração aeróbia e a capacidade de gerar ATP. Causa importante e comum de lesão e morte celular, ocorre em resposta a: Isquemia (perda do suprimento sanguíneo), Oxigenação inadequada (ex: insuficiência cardiorrespiratória), Perda da capacidade carreadora de oxigênio (ex: anemias ou intoxicação por gás carbônico).

  • Agentes Físicos: trauma, calor, frio, radiação e choques elétricos.
  • Agente químicos e drogas: medicamentos, venenos, poluentes do meio ambiente e "estímulos sociais" (álcool e narcóticos).
  • Agentes infecciosos: vírus, bactérias, fungos e parasitas.
  • Reações Imunológicas: doenças auto-imunes e lesão celular em resposta à inflamação.
  • Distúrbios Genéticos: alterações cromossômicas e mutações genéticas específicas.
  • Desequilíbrios nutricionais: inclui deficiências proteico calóricas ou de vitaminas específicas, assim como excessos nutricionais.

Alterações Morfológicas nas Lesões Celulares:

A lesão acarreta a perda de função muito antes de ser morfologicamente reconhecida. As alterações morfológicas tornam-se aparentes apenas pouco depois de o sistema bioquímico crítico da célula ser afetado.
No entanto, uma vez desenvolvidas, as lesões reversíveis ou irreversíveis apresentam alguns aspectos característicos.

1. Lesão Reversível
  • Edema celular aparece sempre que as células são incapazes de manter a homeostasia iônica e hídrica (devido, principalmente, à perda de função das bombas de íons da membrana plasmática);
  • Degeneração gordurosa manifesta-se pelo aparecimento de vacúolos lipídicos no citoplasma, encontrados especialmente nas células envolvidas ou dependentes do metabolismo lipídico (hepatócitos e células miocárdicas).
2. Necrose: refere-se ao espectro de alterações morfológicas que ocorrem após a morte celular em um tecido ou órgão vivo. Há dois processos marcantes nas alterações morfológicas básicas:
  • Desnaturação de proteínas;
  • Digestão Enzimática de organelas e outros componentes do citosol.
Há várias características distintivas: as células necróticas são mais eosinófilas (rosadas) quando coradas por HE (Hematoxilina-Eosina). Possuem uma aparência vítrea em decorrência da perda de glicogênio e podem ser vacuoladas. As membranas celulares são fragmentadas. As alterações nucleares incluem picnose (núcleo pequeno e denso), cariólise (núcleo "dissolvido") e cariorrexe (núcleo fragmentado).

Os tipos mais conhecidos: de coagulação; liquefativa; gangrenosa; caseosa; gordurosa e fibrinoide.

Mecanismos de Lesão Celular:

Os mecanismos bioquímicos responsáveis pela lesão celular podem ser organizados em alguns princípios básicos e relevantes:

  • A resposta celular a estímulos nocivos depende do tipo de lesão, da sua duração e da sua agressividade;
  • As consequências da lesão celular dependem do tipo, estado e grau de adaptação da célula lesionada;
  • A lesão celular resulta de anormalidades em um ou mais dos cinco componentes essenciais: Produção de ATP; Integridade Mitocondrial; Integridade da Membrana Plasmática; Síntese proteica, dobramento e degradação proteica; Integridade do componente genético da célula.
Os mecanismos intracelulares da lesão ocorrem por meio de 6 vias gerais. Porém, os elementos estruturais e bioquímicos da célula são tão intimamente relacionados que, independentemente do local inicial da lesão, os efeitos secundários rapidamente se propagam para os outros elementos.

São esses 6 mecanismos comuns:
  1. Depleção de ATP: a depleção de ATP e a redução de sua síntese são consequências comuns tanto de lesões isquêmicas quanto tóxicas. O ATP é gerado por glicólise (mecanismo anaeróbico, ineficiente) e Fosforilação Oxidativa (mecanismos Aeróbico, eficiente). A hipóxia leva a uma maior glicólise anaeróbica com redução do glicogênio, gerando uma maior produção de ácido lático e acidose intracelular. O ATP também é fundamental para o transporte na membrana (bombas dependentes de energia, como a de Sódio e Potássio) e síntese proteica. A depleção da síntese de ATP causa um grande impacto em todas essas vias.
  2. Danos Mitocondriais: A lesão mitocondrial pode ocorrer diretamente em decorrência de hipóxia ou toxinas, ou como resultado do aumento intracelular de cálcio, pelo estresse oxidativo ou pela degradação de fosfolipídeos. A lesão resulta na formação de um canal de grande condutância (poro) que permite a saída de prótons e dissipa o potencial elétrico da mitocôndria, o qual permite a fosforilação oxidativa. O dano mitocondrial também permite o extravasamento do Citocromo C, que aciona a apoptose.
  3. Influxo e perda da Homeostase de Cálcio: o cálcio no citosol é mantido em concentrações extremamente baixas pelos transportes dependentes de energia. Porém, isquemia e toxinas podem aumentar a entrada (influxo) de cálcio pela membrana celular e ainda liberar cálcio das mitocôndrias e do Retículo Endoplasmático. O aumento de cálcio intracelular ativa fosfolipases que degradam os fosfolipídeos das membranas, ativa proteases que degradam proteínas das membranas e do citoesqueleto, ativa ATPases que aumentam a degradação de ATP e ainda as Endonucleases que causam fragmentação da cromatina.
  4. Acúmulo de Radicais Livres derivados do oxigênio (Estresse Oxidativo): Radicais livres são moléculas instáveis, com elétrons não pareados em suas órbitas, o que as torna altamente reativas. Os radicais livres mais comuns nos sistemas biológicos, incluindo nosso corpo, são as Espécies reativas de Oxigênio (EROS ou ROS em inglês). Suas principais formas são o ânion superóxido, o Peróxido de Hidrogênio, Íons hidroxila e o íon Peroxinitrito. Ao se ligarem a outras moléculas, geram uma reação em cadeia, autocatalítica, que geralmente rompe ligações químicas. Assim, danificam lipídeos (peroxidação lipídica), proteínas (oxidação e fragmentação das ligações peptídicas) e os ácidos nucleicos (ruptura de um único filamento).
A geração de radicais livres ocorre por:
  • processos metabólicos normais, como a redução do oxigênio durante a respiração;
  • Absorção de energia radiante, como ultravioleta e raio x;
  • Produção por leucócitos durante a inflamação para esterilizar o local da infecção;
  • Metabolismo enzimático de substâncias químicas ou medicamentos;
  • Dentre outros...

Felizmente, os radicais livres são muito instáveis e geralmente se deterioram espontaneamente. Além disso, contamos com sistemas para contê-los, como os antioxidantes (glutationa, vitaminas A e E...), alguns sistemas de enzimas que eliminam esses radicais livres (catalase, glutationa peroxidase).

   5. Defeitos na Permeabilidade da Membrana: As membranas podem ser danificadas diretamente por toxinas, agentes físicos e químicos, componentes líticos do complemento e porfirinas, ou indiretamente pelos mecanismos citados, como aumento do cálcio intracelular e ROS. O aumento na permeabilidade da membrana afeta a osmolaridade intracelular e a atividade enzimática. O aumento da permeabilidade da membrana mitocondrial reduz a síntese de ATP e pode incitar, por si só, a apoptose. A integridade da membrana dos lipossomos alterada libera hidrolases ácidas extremamente potentes que podem digerir proteínas, ácidos nucleicos e o glicogênio.

  6. Danos ao DNA e às Proteínas: Danos ao DNA que excedem a capacidade de reparo normal acarretam ativação da apoptose. De forma semelhante, o acúmulo de grande quantidade de proteínas inadequadamente dobradas ocasiona resposta ao estresse que também ativa a apoptose.

A transição da lesão reversível para a lesão irreversível é de difícil identificação, embora, dois fenômenos aparentam, frequentemente, caracterizarem a irreversibilidade:
  • Incapacidade de reverter a disfunção mitocondrial (depleção de ATP como consequência), mesmo após regressão da lesão;
  • Desenvolvimento de profundos distúrbios na função da membrana celular.
A liberação de enzimas ou proteínas intracelulares para a corrente sanguínea proporciona importantes marcadores de morte celular. Os exemplos mais comuns para o meio biomédico, ou para as análises clínicas de uma forma geral, são:
  • Músculo cardíaco: quando lesionado libera uma isoforma específica de creatina quinase e da proteína contrátil troponina.
  • Hepatócitos: liberam as transaminases (AST e ALT) e o epitélio do ducto biliar que libera uma isoforma de fosfatase alcalina.

Fim pessoal.
Essa é a aula introdutória da Anatomia Patológica, uma não tão pequena recordação de alguns pontos importantes que vocês viram em Patologia, que vão ser de grande valia para gente no decorrer do curso.

Obrigado e bons estudos.

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