segunda-feira, 15 de março de 2021

Sinapses Químicas 2.0

Boa tarde pessoal,

Todas as disciplinas que envolvem neurociência que ministro, passam por um conceito básico comum: as Sinapses.

Nós podemos definir sinapse, já bem aqui no comecinho da matéria, como o local onde ocorre a famosa comunicação nervosa.

Ou seja, o ponto onde o neurônio envia uma informação nervosa para a célula seguinte, seja ela outro neurônio ou um músculo, por exemplo.

O Gif abaixo demonstra esse processo de forma muito simples:




No Gif podemos visualizar esse processo da Sinapse acontecendo, de forma bem simples.

Porém, não é tão simples assim na realidade (rs). Então, vamos construindo as ideias do começo para vocês entenderam de vez como acontecem as sinapses químicas.

O primeiro ponto que precisamos discutir aqui é: não existem apenas as Sinapses Químicas no nosso Sistema Nervoso, existem também as Sinapses Elétricas. 

Quais as diferenças entre as duas? Vamos lá:

  • As químicas são mais comuns, e ocorrem tanto entre dois neurônios (interneuronais) como entre um neurônio e uma célula efetora (Neuroefetoras, é por conta dela que você consegue movimentar seus dedos, por exemplo).Enquanto as Elétricas acontecem apenas entre neurônios (interneuronais).
  • Nas Elétricas as células estão em contato físico, as proteínas de uma se ligam às proteínas das outras, formando as famosas junções comunicantes (gap junctions), por onde os íons conseguem atravessar livremente e o impulso nervoso passa em forma de energia elétrica.
  • Nas Químicas não existe o mesmo contato físico, e entre as células (pré e pós sináptica existem um espaço conhecido como Fenda Sináptica). Assim, a informação passa através dos neurotransmissores. ANOTEM: neurotransmissores são utilizados APENAS nas Sinapses Químicas.
Agora, observem esses detalhes na figura:



Porém a discussão aqui é exclusiva em torno das Sinapses Químicas. 

Vou responder o porque em alguns exemplos: é nas sinapses químicas que agem todas as substâncias que alteram o funcionamento do seu cérebro (sejam as lícitas como o vinho, passando pelos psicofármacos, ou as ilícitas como a maconha e a cocaína). É através das sinapses químicas que armazenamos nossas memórias e conseguimos, por exemplo, lembrar de coisas que aconteceram nos anos iniciais da nossa infância.

Mas como realmente acontece a sinapse química? A figura seguinte pode ajudar, ela divide a sinapse em oito passos:


Uma outra forma de visualizarmos o conteúdo da figura acima é através do esquema de flechas que fiz para minha aula:


Para finalizarmos, mais um GIF para reforçar o que acontece em uma sinapse química:


Sim, o passo a passo da Sinapse química não é tão simples, mas entender esses conceitos iniciais permite que vocês entendam com muito mais clareza como, por exemplo, agem os fármacos antidepressivos e ansiolíticos.

Apesar de ser dividida em pelo menos oito etapas, as etapas são simples e ocorrem em sequência, o que com um pouco de estudo vocês conseguem entender tranquilamente.

Se observarem com detalhes, a questão dos neurotransmissores, tem dois pontos que não foram tratados na discussão acima: O que é e para que serve essa tal de Vesícula Sináptica e O que acontece com os neurotransmissores após a sinapses (antidepressivos entram nessa discussão - spoilers).

- Vesículas Sinápticas e Neurotransmissores:

Os neurotransmissores (transmissores sinápticos) são substâncias químicas produzidas pelos neurônios, cuja função principal é a de sinalização (biossinalização). 

Utilizadas pelos neurônios na sinapse química, essas substâncias são liberadas pelo neurônio pré-sináptico e vão agir nos receptores de membrana do neurônio pós-sináptico, garantindo que a informação nervosa consiga percorrer seu trajeto.


Mais de 50 substâncias químicas foram sugeridas como transmissores sinápticos.

Esses neurotransmissores são divididos em dois grandes grupos:
  1. Neurotransmissores pequenos e de ação rápida;
  2. Neurotransmissores Peptídicos (neuropeptídeos), maiores, de ação mais lenta.

Os neurotransmissores pequenos e de ação rápida (Acetilcolina, Dopamina, Serotonina, Noradrenalina...) são os que induzem as respostas mais agudas do sistema nervoso, como a transmissão de sinais sensoriais para o nosso encéfalo (traduzindo, como sentimos o mundo através dos nossos cinco sentidos). É por meio deles que são reguladas, por exemplo, a grande parte das nossas funções cognitivas, como a nossa memória, a nossa atenção.

Os neuropeptídeos (Somatostatina, Ocitocina, Prolactina...) geralmente provocam ações mais prolongadas, como mudanças a longo prazo no número de receptores neuronais, abertura ou fechamento de canais iônicos por longos períodos e, possivelmente, até mesmo influenciam no número de sinapses.

Percebam nas figuras que viram até agora e na figura que segue, que em todos os casos, quando no neurônio pré-sináptico, os neurotransmissores estão armazenados em vesículas sinápticas.

As vesículas funcionam como um local para guardar e proteger os neurotransmissores, que seriam destruídos caso ficassem à deriva dentro do neurônio. 

Quando o cálcio começa a invadir o interior do terminal sináptico, após a abertura dos canais de cálcio pelo potencial de ação, as vesículas sinápticas são guiadas até proteínas que se encontram na membrana do neurônio, onde se ligam e se fundem à membrana celular. Esse processo possibilita e exocitose dos neurotransmissores, ou seja, permite que eles sejam liberados na fenda sináptica, podendo seguir para passar a informação nervosa!

Ok, mas depois que os neurotransmissores se ligam aos receptores da célula pós-sináptica e conseguem passar a informação, o que acontece com eles?

- "Destino" dos Neurotransmissores:

Falamos até agora sobre como o potencial de ação chega ao terminal sináptico, abre os canais de cálcio dependente de voltagem, o influxo de cálcio que estimula a ligação das vesículas sinápticas à membrana do neurônio, permitindo a liberação do neurotransmissor na fenda sináptica. Esse neurotransmissor percorre a fenda sináptica e se liga a receptores de membrana da células pós-sináptica, e cumprem sua função, gerando outros potenciais de ação (quando o potencial pós-sináptico é excitatório) ou inibindo a célula pós-sináptica (potencial pós-sináptico inibitório).

Ok, resumimos de forma bem simplificada tudo o que acontece na transmissão sináptica. 

Mas e o neurotransmissor? O que acontece com ele após cumprir seu papel de transmitir informação?

Após ser utilizado, o que ocorre em milissegundos, os neurotransmissores se soltam dos receptores e podem seguir três caminhos diferentes:
  1. Difusão, que os leva para a corrente sanguínea, onde seram destruídos.
  2. Degradação enzimática - ou seja, destruídos ali mesmo na fenda sináptica;
  3. Recaptação (mais utilizada), que seria um processo de reciclagem - ou seja, para economizar energia, ao invés de produzir um novo neurotransmissor, eu pego o que já existe de volta e utilizo em outra sinapses novamente..

Podemos observar esses caminhos que o neurotransmissor tem disponível em seu trajeto, na figura:
Os neurotransmissores podem se difundir para longe do terminal sináptico, e isso ocorre quando encontram um vaso sanguíneo e seguem o fluxo sanguíneo. Normalmente, são rapidamente degradados.

O segundo caminho após cumprir sua função, é a degradação no próprio terminal sináptico. Nesse processo, enzimas presentes nessa região quebram os neurotransmissores em seus constituintes. Esses constituintes então são absorvidos pela célula pré-sináptica e entram novamente no processo para formar novas moléculas de neurotransmissores. Alguns antidepressivos, que visam aumentar a quantidade do neurotransmissor serotonina (normalmente), agem inibindo as enzimas que destroem o neurotransmissor na fenda sináptica, garantindo que a quantidade do neurotransmissor aumente e a sinapse volte a funcionar da maneira correta.

O último caminho que pode ser percorrido por um neurotransmissor após cumprir sua função, é ser recaptado. Ele pode ser recaptado pelas células da glia, que envolvem a sinapse, mas o mais comum, por ser o que acontece com maior frequência, é a recaptação pela própria célula que o liberou, ou seja, sua recaptação pelo neurônio pré-sináptico.

Quando essa substância química é recaptada, volta a ser transportada para dentro das vesículas sinápticas esperando a hora para ser liberada e cumprir seu papel novamente na passagem de informação pela sinapse.

Pensem, antes de tudo, que a reutilização dessas moléculas é uma bela forma de economizar energia para nossos neurônios. Para que criar um neurotransmissor novo se posso reutilizar os antigos? Evolutivamente, pensando que nunca tivemos alimento à disposição como em tempos atuais, o nosso organismo como um todo aprendeu a poupar energia em toda a sua fisiologia, e o funcionamento do nosso cérebro, um dos órgãos mais vitais, não seria diferente.

Quando falamos de recaptação, podemos lembrar de dois bons exemplos, o da serotonina e o da dopamina, que costumam ser recaptadas pelos neurônios que as liberaram. Quando existe baixos níveis desses dois neurotransmissores, como na depressão, utiliza-se medicamentos que bloqueiam esse processo de recaptação, permitindo que essas moléculas continuem a cumprir repetidamente e por mais tempo que o normal suas funções no receptor pós-sináptico. Esses medicamentos, então, aumentam a disponibilidade ou o tempo de ação dos neurotransmissores envolvidos.

Entenderemos mais sobre o funcionamento dos fármacos antidepressivos e todos as outras classes de psicofármacos em outra aula!

Porém, fiquem com o GIF abaixo, para encerrar essa aula de Sinapses Químicas com o mecanismo de ação dos antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina:

Bons estudos pessoal!

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