segunda-feira, 29 de março de 2021

Materiais Biológicos 2.0

Boa tarde pessoal,

Continuando nossa disciplina de Bioquímica Clínica, hoje vamos aprender um pouco sobre Materiais Biológicos.

Notem que existe um 2.0, indicando que esse material é uma atualização do material original que escrevi no começo de 2020. Quanta coisa muda em um ano, não?

Quem não leu a matéria Introdução à Bioquímica Clínica, recomendo que o faça antes de prosseguir:

http://plantandociencia.blogspot.com/2021/03/introducao-ao-estudo-da-bioquimica.html


Quem já leu, vamos para a aula de hoje:



Vamos começar com uma pergunta para vocês refletirem: qual a amostra ou material biológico  que mais utilizamos em Bioquímica Clínica?

Se você lembrou de todas as vezes que "tirou" ou ouviu alguém dizer que "tirou" sangue, você encontrou a resposta.

Sim, o sangue, principalmente o venoso, coletado a partir de veias dos membros superiores, é a amostra mais utilizada para avaliar as funções hepática, renal, o perfil lipídico, dentre muitas outras que iremos estudar em nossas próximas aulas.



Então, vamos começar falando sobre algumas características gerais dos materiais biológicos e, em seguida, focaremos nossa discussão no sangue.

Primeiro precisamos entender o que é considerado material biológico em um laboratório de Análises Clínicas:

  • Líquidos;
  • Secreções;
  • Excreções;
  • Fragmentos de Tecidos.

Quando coletamos uma amostra, a mesma deve ser preservada com alguns cuidados mínimos, para garantir a validade dos resultados após a análise. 

Ou seja, preservando a amostra, garantimos que os resultados obtidos reflitam fielmente o que está acontecendo no organismo do paciente. Não faz sentido se os resultados não nos mostrar o que está acontecendo com o paciente, certo?

Lembrem-se que a fase pré-analítica é a maior fonte de erros dentro de um laboratório de análises clínicas, algo em torno de 70% deles (sim, você leu direitinho, 70%).

Para minimizar esses erros pré-analíticos, devemos prestar atenção e seguir as legislações e os protocolos que regem cada passo, desde a coleta da amostra até a entrada na fase conhecida como analítica.

Transporte de Amostras:

Quando a coleta do material biológico é realizada fora do laboratório onde acontecerá o ensaio clínico (análise), o transporte  e o armazenamento tornam-se fatores importantes a serem considerados.

Por que?
Porque podem afetar diretamente a viabilidade das amostras, pois caso não sejam realizados de forma correta, vão alterar os componentes e as características da mesma, podendo gerar erros indesejados nas análises bioquímicas.

Vocês sabem quais são os dois principais fatores que afetam a qualidade das amostras biológicas quando elas são coletadas fora do laboratório?

A temperatura dentro da embalagem e o tempo entre a coleta e a análise. 

Lembrem-se aqui que, o tempo pelo qual a amostra continua válida e aceita para os testes varia de acordo com a metodologia de cada teste, o que podemos encontrar em detalhes nas bulas que acompanham os kits (como aqueles que utilizamos para dosar o colesterol total, por exemplo).

A resolução que regulamenta o transporte de materiais biológicos é a Resolução número 20, de 10 de Abril de 2014.

Ela classifica as substâncias infectantes em duas categorias: A e B.

Os materiais biológicos com os quais trabalhamos em Bioquímica Clínica se encaixam na categoria B, que diz:
"uma substância infecciosa que não satisfaça os critérios para a inclusão na categoria A. A designação oficial de transporte da categoria B é substância biológica. São classificadas como UN 3373."

Alguns símbolos devem ser utilizados no recipiente que transporta as amostras biológicas:


Talvez você não precise decorá-los, mas precisa ao menos saber interpretá-los e, caso seja a pessoa que irá transportar à amostra, deve saber da necessidade de conter as informações no recipiente utilizado no transporte.


O por que dessa identificação? Porque mesmo parecendo amostras simples, que não demonstram perigos, precisamos ter em mente que todo material biológico apresenta risco de infecção.

Ou você encontrou alguma técnica inovadora que consegue, através da visão, saber se aquela amostra de sangue contém um vírus, como o COVID-19 ou qualquer outro organismo patogênico ?(rs, mas se você descobriu, aproveite pois isso deve valer uma fortuna).

Armazenamento da Amostra:

Alguns aspectos precisam ser considerados quando falamos no tempo em que uma amostra pode ficar armazenada:

  • Tipo do material biológico que estamos trabalhando (soro, plasma, fezes, urina, esfregaço...);
  • Os exames que serão realizados neste material (as bulas dos kits contêm essa preciosa informação);
  • A finalidade do exame, se é rotina ou se é para pesquisa;
  • A estabilidade do material.

Laboratórios grandes aqui do país, indicam em seus sites e em seus materiais públicos que seguem as orientações dos kits que serão utilizados para análise de cada material. 

Novamente, reforço, foquem na bula do kit que irão utilizar, ela é riquíssima em informações necessárias para evitar os erros comuns de erro dentro da Bioquímica Clínica.

Após discutir o armazenamento e o transporte, nos casos onde são necessários, vamos conversar um pouco sobre a composição do sangue? 

O sangue venoso é de longe a amostra mais utilizada na Bioquímica Clínica, independente se o teste a ser realizado utiliza o soro ou o plasma. Aliás, precisamos entender o que é e do que é formado o sangue, e qual a diferença entre soro e plasma!


Sangue como amostra:

Para iniciar, qual a composição do sangue, alguém se lembra?

Segue uma figura para responder essa pergunta:


A maior parte do nosso sangue é composto pelo plasma, que tem como seu maior componente a água. 

Além disso, encontramos glóbulos brancos, que são os famosos leucócitos, as nossas células de defesa (células do nosso sistema de defesa). 

Para fechar os componentes, temos os glóbulos vermelhos, que possuem a função de carrear o oxigênio dos pulmões para todas as células do nosso organismo, entregando para elas o combustível essencial para a vida, utilizado no processo de respiração celular pela Mitocôndria.

Diversas outras substâncias, como proteínas (albumina...), íons, minerais, hormônios, dentre outras, são encontradas no sangue.

Uma figura que mostra de forma simplificada os componentes celulares do nosso sangue:



Flebotomia: nome dado ao processo de coleta do sangue. 

Nome clássico, muito utilizado antigamente, mas que perdura até hoje. Normalmente, podendo ser realizado de três maneiras:
  1. Punção Venosa;
  2. Punção Arterial;
  3. Punção de Pele.

Dentre os três métodos, a punção venosa é disparado o mais utilizado.

As veias levam o sangue da periferia para o centro do sistema circulatório, esse sangue é o que conhecemos como sangue desoxigenado ou sangue venoso.

As veias podem ser classificadas em:
  • Grande, médio e pequeno calibre, além das vênulas;
  • Dependendo da localização, podem ser classificadas como superficiais ou profundas.

Ai surge uma questão bem característica. Por que as veias do membro superior são as mais utilizadas para flebotomia?

Porque essas veias superficiais são subcutâneas e normalmente são bem visíveis (devido à transparência da pele), sendo mais calibrosas no membro superior. Assim, são palpáveis e de fácil visualização (maioria dos casos), o que as tornam as preferidas para coleta de sangue venoso.


As duas outras amostras de sangue mais comuns são o sangue arterial, rico em oxigênio porém mais difícil de coletar, e o sangue obtido pela punção da pele, uma mistura de sangue venoso e sangue arterial.

Ok, o sangue venoso é o mais utilizado, frequentemente, mas utilizamos o sangue total para as análises bioquímicas (traduzindo, do, a amostra retirada já está pronta para uso na Bioquímica Clínica?).

Não, normalmente usamos o Plasma ou o Soro nas análises bioquímicas, dependendo do teste a ser realizado.

Ambos, soro e plasma, são derivados da centrifugação do sangue total, e diferem em seus componentes e características.

Mas qual a diferença entre essas duas amostras?

As principais diferenças entre soro e plasma são derivadas da presença ou não de anticoagulante nos tubos utilizados para a coleta. 

Os tubos utilizados para a obtenção de soro não contém anticoagulante, então temos a coagulação do sangue neste tipo de amostra. 

Já o plasma, é coletado em tubos com anticoagulante, o que obviamente impede que ele coagule. 

Assim, a diferença entre as duas amostras fica mais clara na figura abaixo:


Ou seja, a diferença entre eles é a presença ou não do fibrinogênio e dos outros fatores de coagulação.

Características do soro:

Quando o sangue coletado não é tratado com anticoagulante, espera-se a coagulação e solta-se esse coágulo pelas laterais do tubo (com um bastão de vidro apropriado), antes da centrifugação. Esse tempo entre a coleta e a formação do coágulo leva em torno de 15 minutos, nos quais a amostra deve ser mantida em temperatura ambiente.

Então, após a coagulação, devemos soltar o coágulo pelas laterais do tubo com um bastão de vidro, e só ai levar a amostra para a centrífuga, onde normalmente ela fica por 5 minutos a uma velocidade de 2.500 RPM (rotações por minutos). Após este processo, coletamos o sobrenadante e pronto, conseguimos o Soro.


O número 1 da figura representa a amostra total de sangue, em um tubo sem anticoagulante. O número dois nos mostra o soro, obtido após a centrifugação da amostra de sangue total.

Os dois tubos que seguem na foto abaixo são os utilizados para a coleta de soro, sendo a diferença entre eles a presença ou não de um gel separador, que agiliza a coagulação e melhora o processo de separação na centrífuga:



Plasma:

Como falamos ali em cima, o plasma é o soro acrescido dos fatores de coagulação, uma vez que a amostra é coletada em tubos que contém anticoagulante, impedindo que o processo aconteça.

O que difere, na coleta do plasma, é o tipo de anticoagulante utilizado, o que representamos com cores diferentes das tampas dos tubos de ensaio que serão utilizados.

Notem que, os diferentes tipos de anticoagulantes possuem características distintas, sendo utilizados cada um para um determinado tipo de análise, pois podem gerar soros com características específicas. 

Porém, em comum, todos impedem a coagulação sanguínea.


Os tubos, suas tampas e as características específicas de cada anticoagulante serão apresentados nas figuras abaixo:




Observem bem as características de cada tubo e tentem obter respostas, como por exemplo, porque os tubos de tampa cinza são ideias para dosar a glicemia do paciente? 

Esse tipo de olhar crítico é que diferencia um profissional dos demais.

Mas ok, para matar sua curiosidade sobre a questão acima, eles são utilizadas preferencialmente, na dosagem da glicemia (quantidade de glicose em nosso sangue), porque os anticoagulantes aqui utilizados inibem a quebra de glicose pelas células, garantindo que a quantidade de glicose dosada seja bem próxima ao valor real correndo nas veias do paciente no momento da coleta. 


Era isso pessoal, encerramos aqui nosso segundo degrau dentro da Bioquímica Clínica. Na próxima aula iremos falar um pouco sobre a coleta do sangue venoso (que realizaremos logo que a pandemia permitir).

Bons estudos!

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