domingo, 12 de junho de 2022

"Comer com os olhos" - reflexões sobre o comportamento alimentar

Bom dia pessoal,

como dizem por ai, quem é vivo sempre aparece né? Pois é, voltei, rs.

Hoje vamos discutir um pouco sobre o complexo papel do cérebro sobre o nosso comportamento alimentar, discussão indispensável para os dias atuais.



Primeiro ponto interessante para a nossa discussão: gosto de dividir o controle da nossa alimentação entre Cérebro e Trato Gastrointestinal (principalmente estômago e intestino).

Na minha opinião, o cérebro é determinante no nosso comportamento alimentar, mas a regulação do nosso apetite é uma via de mão dupla, que faz zigue-zague, depende de emoções e sentimentos, das nossas memórias e experiências... enfim, é complexo.

Começando pelo nosso corpo. o estômago tem um papel muito interessante no controle do nosso apetite.

Observem a figura abaixo:

Esse é nosso estômago vazio. Reparem nas pregas estomacais, todo esse tecido muscular "dobrado" na parede do estômago. Por que isso? Porque ele estende quando está cheio!
E é assim, de uma maneira mecânica, que começa o controle do nosso apetite quando estamos nos alimentando.

Como o estômago é o primeiro "reservatório" do alimento dentro do nosso organismo, quando cheio, ele se distende, e os nervos que se encontram do lado de fora do mesmo, quando percebem essa distensão, enviam mensagens ao cérebro avisando que está ok agora, já posso parar de sentir fome.

Lembra dos shakes emagrecedores? Saciam rapidamente (dilatam o estômago), mas logo a pessoa está com fome novamente.

(aqui, vale lembrar aquela história de mastigar com calma o alimento, de saborear a comida - além de ser bem mais prazeroso sentir o gosto da comida, mastigando bem e engolindo devagar a comida, nosso estômago consegue enviar as mensagens para o cérebro em seu devido tempo, assim ficamos saciados com menos comida. Se engolimos tudo rapidamente, tipo aquele almoço em 5 minutos, ingerimos um volume maior de alimento antes que esse sinal chegue ao cérebro, assim comer em paz pode influenciar inclusive no seu peso).

Esse controle mecânico é extremamente importante. Mas é decisivo? Não. 
Quantas vezes você pegou mais uma rodada de pizza ou de peças de comida japonesa após estar completamente satisfeito (a)? Sim, o cérebro acaba sendo determinante.

Mas calma, não está na hora de falar do cérebro ainda, rs.

Além da distensão do estômago, nosso corpo utiliza de alguns hormônios para regular nosso apetite. Dois muito interessantes são a Leptina e a Grelina.




Os adipócitos, as nossas famosas células de gordura, produzem a leptina, hormônio que manda uma mensagem de saciedade, que ajuda a diminuir o apetite. Ao contrário, quando fica muito tempo vazio, o estômago produz a Grelina, um hormônio que induz o apetite. 


Um ponto para refletirmos aqui: quanto maior a quantidade de tecido adiposo, maior a produção de leptina, logo, menor o apetite dessa pessoa! Faz sentido quando pensamos fisiologicamente. 

Mas, é isso que observamos em pessoas obesas ou com sobrepeso que "brigam" com a balança? A dificuldade delas está em não conseguir comer ou em não conseguir parar de comer (muitas vezes)? Exato, a segunda opção.

Com esse exemplo, conseguimos perceber mais uma característica do nosso cérebro: ele se adapta rapidamente a esses estímulos hormonais, e acaba nem ligando mais para eles depois de um certo tempo. Assim, a leptina e a grelina passam a ser meros coadjuvantes no processo.


O cérebro se adapta aos estímulos hormonais e passa a tomar suas próprias decisões.

É só vocês pensarem na seguinte situação: 

Você está em um rodízio da sua comida preferida, completamente satisfeito ("Cheio/rolando") mas chega a hora da sobremesa. Cara, SEMPRE tem espaço para a sobremesa. Você já sabe agora que não há espaço físico para a sobremesa, o estômago está dilatado avisando que não cabe mais nada, a leptina já está circulando diminuindo o apetite (a insulina também influencia nesse processo), massss, seu cérebro ignora tudo isso e toma uma decisão executiva - Cabe mais sim, tem espaço para essa sobremesa maravilhosa (puramente uma decisão do córtex pré-frontal, sobressaindo a todas as outras formas de controle do nosso apetite).


Isso, apesar de todos os avisos, meu córtex pré-frontal (que fica atrás da minha testa), decide que cabe mais sim, e lá vamos nós para a sobremesa. 

Aqui, tem fatores extremamente interessantes: primeiro, que nosso comportamento alimentar sofre muita influência da nossa visão, acredita-se que até 65% dele seja controlado pela visão. Além disso, doces tendem a gerar a sensação de prazer, ativando vias de recompensa do nosso cérebro.

Esse é o famoso neocórtex, driblando toda nossa fisiologia e também o cérebro reptiliano (para quem gosta dessa visão do cérebro trino) e tomando suas próprias decisões. Típico dele.


Ok, mas não é, na verdade, o córtex pré-frontal quem nos faz sentir fome ou saciedade. A parte do nosso cérebro que toma conta dessas sensações fisiológicas é o Hipotálamo, que vocês podem observar no meu slide:

Reparem: Hipotálamo Lateral é o centro da fome, então quando você realmente sente fome, aquela fome fisiológica, quem está gerando essa sensação é ele. Enquanto o Hipotálamo Ventromedial, é quem controla sua saciedade, sua sensação de estar satisfeito (lembra da distensão do estômago? Parte daquelas informações chegam aqui!).


Uma pesquisa muito interessante com ratinhos, inclusive é a pesquisa que originou o slide acima, demonstrou que nem esse controle é o decisivo para nossa alimentação. Visto que o hipotálamo lateral é o centro da fome, se ele for lesado, o animal para de sentir fome e consequentemente de se alimentar, emagrecendo. O contrário também é verdade, se a lesão for no ventromedial, o animal não sente mais saciedade e passa a comer sem limite, sem parar, e engordar.

Após lesionarem a região ventromedial dos ratinhos, os cientistas observaram que por cerca de 20 dias eles comeram desesperadamente, ficando obesos. Mas depois desse tempo, voltaram a sua alimentação habitual. Isso mostra que, mesmo com a região da saciedade lesada, outros controles foram tomando conta no lugar e o rato voltou a um comportamento alimentar normal.

Fantástico né?

Para finalizar nossa discussão de hoje, os fatores emoções e sentimentos influenciam drasticamente no nosso comportamento alimentar.

Uma pergunta que sempre faço em sala de aula, independente da disciplina: A ansiedade aumenta ou diminui sua fome? E fome não é a melhor palavra para definir, talvez comportamento alimentar ou compulsão alimentar. O mais comum são as pessoas que comem mais, mas muitas comem menos durante as crises de ansiedade.

Para as que comem mais, assim como eu, o alimento entra como uma válvula de escape para a ansiedade, uma recompensa talvez. Não que justifique, mas cerebralmente funciona muitas vezes.

Voltando para o hipotálamo, ele é a via final de muitas informações do nosso sistema límbico, o conjunto de regiões cerebrais e encefálicas que tomam conta das nossas emoções e comportamentos relacionados às mesmas. 

Opa, ta ai o caminho direto pelo qual suas emoções afetam seu apetite. Fora o simples fato de elas trabalharem direto com nosso córtex pré-frontal, nosso tomador de decisões, e ai a bagunça pode ser imensa.

Lembrem-se, a base da maioria dos transtornos alimentares, como a bulimia e a anorexia, são distúrbios de ansiedade (o contexto geral é infinitamente mais complexo que isso, mas a ansiedade está sempre por trás, principalmente no processo de construção do transtorno).

Era isso pessoal, espero que tenham entendido que o comportamento alimentar tem a ver com fisiologia, com neurociência, com experiências e memórias, por isso é tão íntimo e deve ser tratado como, pois não existem fórmulas e receitas que irão se encaixar e servir para todas as pessoas.

Sempre tenha acompanhamento de um profissional qualificado, nutricionista e psicólogo, na minha opinião, deveriam ser obrigatórios para todas as pessoas, rs.

Mas, antes de tudo, aproveite seus alimentos. Saboreie os alimentos, aproveite cada mordida. Lembrem-se que nossos cinco sentidos são as formas que temos para interagir com esse lindo mundão à nossa volta, e o paladar é um dos mais maravilhosos para explorarmos.

Ótima semana!

Um comentário:

  1. Olá ! Amei o texto, a reflexão foi ótima ! Bem, enquanto eu saboreava meu café da manhã “lentamente” rs, lendo esse texto, pensei o quanto a sobremesa é empurrada mesmo, ainda mais naquele rodízio japonês! Mas gosto muito dos exemplos de Pareto 80/20, não somos apenas esse momento, tendo a consciência que minha semana será saudável com atividades físicas, esse final de semana com essa deliciosa sobremesa será incrível! 😉👏🏼
    Mas amo desenvolver essa máquina pensante, sair do sistema reptiliano, pensar fora da caixa, e buscar novos caminhos por uma vida mais leve, saudável e feliz! Gratidão Professor!!

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