domingo, 2 de fevereiro de 2020

Explicando a Mente - Memória - parte 2

Boa noite pessoal,
bem vindo ao mês de Fevereiro.

Hoje damos continuidade a série Explicando a Mente - Memória. Para quem ainda não leu a parte 1, segue o link:


Terminamos a parte 1 falando do famoso caso do paciente Henry Molaison, que teve seu lobo temporal medial retirado para tratar sua grave epilepsia. Sarou dos ataques mas perdeu sua capacidade de formar novas memórias. O por que? Porque um dos componentes dessa região cerebral é o Hipocampo, área crucial para a produção de novas memórias, ou melhor, para transformar memórias de curto prazo em memórias de longo prazo.


Para darmos continuidade à nossa discussão sobre Memória, observe o gráfico abaixo, em seguida, reflita sobre as observações que vou fazer:

Documentário Explicando a Mente - Netflix


A análise do gráfico acima nos mostra a distribuição da memória de uma pessoa de 70 anos. Ou, de uma forma mais simples de entender, o quanto de memória que a pessoa em questão tem de cada década de sua vida. Vamos aos pontos:
  • Possuímos menos de 10% das memórias de nossa infância;
  • Essa quantidade sobe para algo em torno de 15% entre a adolescência e a primeira fase de nossas vidas adultas. Isso pode acontecer devido ao grande impacto que nossas experiências dessa época costumam causar: começar e terminar o ensino médio, faculdade escolhida, novas experiências amorosas e contato com álcool e outras substâncias psicoativas, casamento, filhos (claro que tudo varia de pessoa para pessoa, o que varia muito pouco é a quantidade crescente de hormônios e a relevância das experiências dessas fases para o desenvolvimento como indivíduo).
  • Lembramos cerca de 10% das memórias entre os 35 e 55 anos.
  • Observe que por volta dos 60 anos a quantidade de memória aumenta. Por que? Porque lembramos com muito mais clareza de experiências e vivências da última década, principalmente dos últimos anos recentes. Para constatar isso, independente da sua idade hoje, tente resgatar algumas memórias recentes (1, 2 ou poucos anos atrás) e compare os detalhes desta memória em questão com os detalhes de uma memória da sua infância ou de décadas atrás.
Concluindo o gráfico para continuarmos nossa discussão, temos poucas memórias da nossa infância, uma quantidade considerável da época do ensino fundamental e médio e muitas memórias recentes.

Uma pergunta comum quando falamos sobre formar memórias é a seguinte:
Por que alguns episódios/experiências são mais fáceis de lembrar do que outros? Ou, por que algumas memórias são mais nítidas, com mais detalhes, do que outras?

A resposta é simples. 

Existem alguns fatores que influenciam no armazenamento de nossas memórias, são eles:

  1. Emoções: quanto mais emoção sentirmos no episódio, maior a chance de registrá-lo com mínimos detalhes. Isso acontece porque qualquer emoção mais intensa (boa ou ruim) ativa uma região do nosso cérebro conhecida como Amígdala, que fica ao lado do hipocampo, e, quando ativa, consegue influenciar a atividade do hipocampo, favorecendo o armazenamento de memórias com conteúdo emotivo. É por isso que você lembra de todos os prêmios, medalhas ou grandes conquistas ao longo da sua vida, da mesma forma que também lembra de todos os eventos traumáticos.


2 - Noção de Localização: pense em um evento muito marcante da sua história. Observe que, quando resgata essa memória, você costuma se lembrar do local onde estava com detalhes. Pessoas tendem a lembrar com detalhes do local onde estavam quando passaram por determinada experiência marcante. 

Voltando ao exemplo do 11 de Setembro, eu, quando vi a notícia, estava na escolinha de futebol onde praticava educação física com minha turma da escola. Lembro até do que e de quem estava a minha volta (e já faz 19 anos!!!). 

Pesquisas recentes mostram que nosso Hipocampo parece ter alguns neurônios específicos que respondem apenas ao tempo e ao local das nossas experiências. Essa conclusão veio de um estudo feito com taxistas de Londres. 

Vocês sabiam que para ganhar habilitação para ser taxista, os candidatos precisam simplesmente decorar as 25 mil ruas da cidade? O teste chama "O Conhecimento" e é um teste centenário. Cientistas observaram que as pessoas que foram aprovadas no teste tinham o hipocampo com um volume maior após decorar as ruas, enquanto as pessoas reprovadas não tiveram alteração no tamanho do hipocampo. Isso é o que conhecemos como plasticidade neural.

3 - História:
O terceiro aspecto que influencia e muito na formação de determinadas memórias é a história. Prestamos mais atenção e consequentemente guardamos mais informações de uma história em forma de narrativa.

Um teste feito para comprovar este fato contou com pessoas e palavras. Quando um grupo de palavras avulsas eram faladas para essas pessoas, poucas se lembravam das palavras após um curto período de tempo. As mesmas palavras, quando utilizadas pelas pessoas para montar uma pequena história (narrativa), levavam mais de 90% das pessoas a lembrar de todas as palavras vistas!

Por que isso acontece? Por causa da associação. Quando associamos as palavras, é como se nosso cérebro aprendesse diversos caminhos para chegar a informação desejada. Fácil de visualizar quando conhecemos uma pessoa nova. Se não associarmos o nome a alguém conhecido ou a algum objeto, tendemos a esquecer rapidamente o nome da pessoa e normalmente passamos vergonha depois.

A campeã mundial de memória, Yanja Wintersoul, citada na parte 1 da matéria, revelou que seu segredo para decorar centenas de números sequenciais é bem "simples". Ela transforma cada número ou grupo de números em letras e objetos e inventa uma história com eles. Assim, consegue se lembrar de centenas e centenas de números em ordem!

Observamos até agora, nesta parte 2, que tendemos a guardar com muito mais detalhes as memórias emocionais. 

Mas agora um novo questionamento. Mesmo essas memórias emocionais, mais marcantes, são totalmente confiáveis?

A resposta é NÃO. As memórias se deterioram com o tempo. Mesmo nas memórias emocionais, tendemos a guardar apenas o aspecto central, ou seja, com o tempo, esquecemos detalhes periféricos, menos importantes para a memória no geral.

Por isso que muitas pessoas, quando assaltadas, não lembram da roupa do assaltante ou do seu rosto (o que atrapalha e muito o reconhecimento visual, por exemplo, o que já levou a incriminar diversas pessoas inocentes). Isso nos mostra que uma memória, mesmo uma emocional, não é uma gravação em alta definição.

E sabe por que? Porque não podemos nos lembrar de todos os detalhes de todas as nossas experiências, porque não podemos despender todo o "espaço" do nosso HD cérebro com detalhes pouco importantes.

Mas Bruno, se eu resgatar uma memória de décadas atrás consigo, com algum esforço, visualizar detalhes, como roupas, pessoas, detalhes do ambiente. Sim, consegue. Mas eles não são realmente os detalhes daquele episódio.

Como nosso cérebro não grava todas as informações, ele utiliza nossas crenças, nossas experiências, nossos conhecimentos, e forma um ambiente lógico quando lembramos de um episódio antigo.

Nosso cérebro é fantástico, e esses modelos de reconstrução de memórias nos fala duas coisas muito importantes:
  1. Nossas memórias episódicas são bem flexíveis e, quando as resgatamos, nosso cérebro junta "peças" para apresentar a história.
  2. Essa flexibilidade é de extrema importância para que possamos ressignificar uma memória. Como não temos o poder de apagar uma memória, temos a chance de separar o trauma da dor, por exemplo, dando um novo significado para a experiência. Isso é a base funcional de um processo terapêutico, é por isso que muitas pessoas saem da psicoterapia "curadas" de grandes traumas.
Então, conseguimos apagar uma memória, como no filme MIB:


Não, não conseguimos.
Memórias são apagadas apenas em lesões cerebrais, como em grandes traumas ou devido à morte neuronal causada por uma doença como o Alzheimer.

Bom pessoal, encerramos por aqui a segunda parte do Explicando a Mente - Memória.
Espero que tenham gostado e aprendido um pouco mais sobre essa fantástica capacidade do nosso cérebro.

A parte 3 sai em breve...

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