terça-feira, 19 de março de 2019

Patologias do Trato Gastro Intestinal II - Órgãos do TGI

Bom dia pessoal,

O resumo de hoje é para encerrar o assunto sobre as patologias do TGI, falando sobre as patologias do intestino.

A primeira matéria, referente às patologias do TGI superior, encontra-se no link abaixo:


Essa matéria também é baseada, em partes, no Capítulo 17 do Livro Fundamentos de Patologia - Robbins e Cotran.

Intestino Delgado e Cólon:

Devido ao seu papel no transporte de nutrientes e água e à sua interface com diversos antígenos dos alimentos e microbianos, os intestinos estão envolvidos em uma variedade de processos de má absorção, infecciosos, inflamatórios e neoplásicos.

- Obstrução Intestinal:

Tumores e infartos representam de 10 a 15% das obstruções, enquanto os 85% restantes são atribuídos às hérnias, às aderências, ao vólvulo (ou torção) e à intussuscepção. 

- Hérnia:

Defeitos na parede peritoneal permitem a protusão peritoneal em forma de saco (saco herniário) na qual os segmentos do intestino podem ficar presos (herniação externa). A estase vascular subsequente e o edema levam ao encarceramento. O comprometimento vascular propicia o estrangulamento.
Localizam-se nos canais femoral e inguinal, umbigo e cicatrizes cirúrgicas.

As Figuras 1 e 2 demonstram um dos tipos mais comuns, a hérnia inguinal:



- Aderências:

As aderências são resquícios de inflamação peritoneal localizada (peritonite), provenientes de cirurgias, infecções, endometriose ou radiação. A cicatrização leva ao surgimento de uma ponte fibrosa entre as vísceras. As aderências congênitas também ocorrem, mas raramente.
Ou seja, as aderências podem conectar duas partes do intestino ou uma parte do intestino com outros órgãos ou com a parede abdominal.
As complicações incluem herniação interna (dentro da cavidade peritoneal), obstruções e estrangulação.



Os outros dois tipos de obstrução intestinal são demonstrados na figura abaixo, o Vólvulo e a Intussuscepção:


- Doença Intestinal Isquêmica:

O intestino é altamente irrigável, e como possui também um suprimento colateral, consegue suportar a perda lenta e progressiva de aporte sanguíneo.
Porém, quando ocorre o comprometimento abrupto de qualquer vaso de maior aporte, o intestino pode sofrer um infarto de vários metros. Os danos vão desde infartos de mucosa a infartos transmurais (de transmural). Por estarem no fim da rede capilar (últimas células a receberem sangue), as células epiteliais no topo das vilosidades são mais suscetíveis à isquemia do que as células epiteliais das criptas.

As causas mais importantes de isquemia são:
  • Aterosclerose;
  • Aneurisma Aórtico;
  • Vasculite;
  • Associada à insuficiência cardíaca, desidratação, choque e uso de vasoconstritores. 
  • Cirrose.
  • Própria obstrução intestinal.

- Patogenia:

Inicialmente ocorre uma lesão de hipóxia no local do comprometimento vascular, apesar do epitélio intestinal ser resistente à hipóxia transitória. No entanto, quando a perfusão é restabelecida há um influxo de células inflamatórias e mediadores, que vão causar a maior parte dos danos.

- Morfologia:

  • Infartos de Mucosa: lesão irregular da mucosa, mas a serosa permanece normal;
  • Infarto Mural: necrose completa de mucosa e variável da submucosa e camada muscular própria.
  • Infarto Transmural: segmentos intestinais envolvidos geralmente são hemorrágicos e há inflamação da serosa associada. Há necrose de coagulação da camada muscular própria com desenvolvimento de perfuração em 1 a 4 dias.
  • Microscopicamente: atrofia e desprendimento da superfície epitelial, mas as criptas preservadas podem estar hiper-proliferadas. A extensão da inflamação e edema depende da duração da lesão. Infecções bacterianas secundárias podem induzir à formação de pseudomembranas.
- Características Clínicas:

A doença intestinal isquêmica ocorre caracteristicamente em indivíduos adultos com doença cardíaca ou vascular coexistente, apresenta-se com intensa dor abdominal, diarreia sanguinolenta ou melena, rigidez abdominal, náusea e vômito.
Os pacientes podem progredir para choque em horas e a mortalidade passa dos 50% dos casos.

- Má Absorção e Diarreia:

A má absorção é caracterizada pela absorção defeituosa de gorduras, vitaminas hidro e lipossolúveis, proteínas, carboidratos, eletrólitos, minerais e água.
Os sintomas gerais são diarreia, flatulência, dor abdominal e perda de massa muscular. Uma marca clássica é a esteatorreia, caracterizada pelo excesso de gordura fecal e fezes fétidas.

As consequências clínicas devido às várias deficiências incluem:
  • Anemia e Mucosite (Piridoxina, folato ou B12);
  • Sangramento (Vitamina K);
  • Osteopenia e Tétano (Cálcio, Magnésio ou Vitamina D);
  • Neuropatia Periférica (Vitamina A ou B12).
As causas mais comuns de má absorção são: Doença Celíaca, Insuficiência Pancreática e Doença de Crohn.

A Patogenia envolve distúrbios na:
  • Digestão Intraluminal: emulsificação e quebra enzimática inicial;
  • Digestão Terminal: Hidrólise na borda em escova do enterócito;
  • Transporte Transepitelial através dos enterócitos;
  • Transporte linfático dos lipídeos absorvidos.
A diarreia é definida como um aumento da massa, frequência ou fluidez fecal, geralmente excedendo 200 g/dia. Em casos mais graves, pode exceder os absurdos 14 litros por dia, podendo ser fatal se não houver a reposição de líquidos.

A diarreia dolorosa, sanguinolenta, em pequeno volume, é chamada de disenteria. E as características gerais incluem:
  • Secretória: isotônica com plasma e persiste mesmo durante o jejum;
  • Osmótica: solutos luminais não absorvidos (ex: devido à deficiência de lactase) aumentam a retirada de fluido osmótico. As fezes podem ser hiperosmolares em relação ao plasma. Diminui com o jejum.
  • Má absorção: diminui com o jejum.
  • Exsudativa: ocorre devido à doenças inflamatórias. Observam-se fezes purulentas e sanguinolentas que persistem durante jejum. 

1- Doença Celíaca:

Também chamada de enteropatia sensível ao glúten ou espru celíaco, é um distúrbio diarreico imunomediado, desencadeado pela ingestão de alimentos contendo glúten (ex: derivados de trigo, aveia, centeio ou cevada) em indivíduos predispostos geneticamente.

- Patogenia:

A doença celíaca resulta de uma hipersensibilidade tardia mediada por glúten, especialmente direcionada contra o polipeptídeo Alfa-gliadina resistente às enzimas digestivas. Existe uma grande ativação de células citotóxicas que podem levar os enterócitos à apoptose.

- Morfologia:

Vilosidades difusamente achatadas (atróficas) e criptas regenerativas alongadas são associadas a células T CD8+ intraepiteliais e inflamação crônica exuberante na lâmina própria. A severidade é maior na porção mais proximal do intestino.


- Características Clínicas:

A doença celíaca aparece desde indivíduos recém-nascidos (RN) a pessoas de meia-idade, os quais apresentam diarreia, flatulência, perda de peso e efeitos da anemia. O teste sorológico mais sensível avalia a presença de anticorpos de imunoglobulina A (IgA) para transglutaminase tecidual, ou IgA e IgG para gliadina desamidada.

  • É geralmente associada com dermatite herpetiforme - prurido e bolhas na pele;
  • Além das deficiências de ferro e vitaminas, há um risco aumentado de aparecimento de linfoma de células T associado à enteropatia, e adenocarcinoma de intestino delgado.
  • A doença celíaca geralmente responde à retirada do glúten da dieta !!!



2 - Deficiência de Lactase (dissacaridases):

A lactase é uma enzima conhecida como dissacaridase, presente na membrana apical de células absortivas de superfície. Com a deficiência de lactase, a lactose não digerida e não absorvida exerce uma atração osmótica, causando diarreia e má absorção.
A fermentação bacteriana da lactose também pode causar distensão abdominal e flatulência.
Histologicamente falando, a mucosa é pouca alterada.

  • A forma congênita autossômica recessiva é rara, devido a mutações no gene da lactase;
  • A forma adquirida é causa por regulação negativa da expressão do gene da lactase, mais comum em nativos americanos, afro-americanos e chineses.


- Enterocolite Infecciosa:

São inflamações da mucosa dos intestinos delgado e grosso. Existem uma grande variedade de sintomas, que vão desde dor abdominal até à incontinência fecal. Os resultados destes sintomas podem incluir má absorção, desidratação ou hemorragias.

Metade das mortes ao redor do mundo de crianças menores de 5 anos são decorrentes de enterocolite infecciosa. Nos países em desenvolvimento, a soma das crianças mortas diariamente devido a consequências da enterocolite passa das 12 mil.

As infecções bacterianas são as mais frequentes, mas os patógenos responsáveis variam de acordo com a geografia, idade, nutrição e estado imunológico do hospedeiro. A diarreia infecciosa pediátrica geralmente é causada por vírus entéricos.

Existem muitos agentes etiológicos, sendo os mais comuns o Vibrio cholerae (cólera), a Salmonella (salmonelose), bactérias que causam a Febre Tifoide e a E. coli.

1- Cólera:
Foi uma doença muito comum em países subdesenvolvidos, quando boa parte da população não possuía as condições de saneamento básico (água tratada, esgoto...). Essa bactéria gram-negativa tipicamente transmitida pela ingestão de água contaminada.
Apenas uma minoria dos pacientes desenvolve diarreia grave. Nestes casos, produz-se até um litro por hora de fezes, semelhante a "água de arroz". Sem tratamento, a mortalidade é de 50% devido à desidratação, hipotensão e choque. No entanto, a maioria pode ser salva com a reidratação.

2 - Salmonelose:
A Salmonella é um bacilo gram-negativo. A transmissão ocorre por alimentos contaminados e as crianças e os idosos são os mais comumente acometidos.
Os sintomas e características patológicas são similares aos de outros agentes entéricos, e o diagnóstico requer cultura de fezes. Os casos mais infecciosos são autolimitantes (com exceção de hospedeiros imunocomprometidos) e duram aproximadamente 1 semana.
Não são recomendados antibióticos, uma vez que eles prolongam o estado de portador do paciente e não diminuem a duração da diarreia.

3 - Febre Tifoide:
Crianças e adolescentes são mais acometidos em áreas endêmicas. as infecções também são fortemente relacionadas com viagens à Índia, México, Filipinas e outros países menos desenvolvidos. Os únicos hospedeiros reservatórios são os humanos e a transmissão é feita por alimento e água contaminados. Essas bactérias podem colonizar a vesícula biliar gerando o aparecimento de cálculos biliares e podem causar necrose de hepatócitos.

A disenteria inicial é sucedida por bacteremia, febre e dor abdominal que podem persistir por até duas semanas sem tratamento com antibiótico (por isso, febre tifoide). A disseminação sistêmica pode causar complicações extra-intestinais, como meningite, encefalopatia, endocardite, pneumonia e colecistite.

4 - Escherichia coli:
As E. coli são bacilos gram-negativos que colonizam o TGI normal. Em sua maioria são não patogênicas, mas há um subconjunto (classificado por morfologia, características in vitro e patogenia) que causa a doença. Dependendo do tipo envolvido, variam os sintomas da doença, mas diarreia aquosa, disenteria, síndrome urêmica hemolítica e outros são constantemente citados.

- Síndrome do Intestino Irritável:

A síndrome do intestino irritável (SII) é caracterizada por dor abdominal crônica e recidivante, distensão abdominal e mudanças na frequência de evacuação ou no formato das fezes. É mais comum entre mulheres de 20 a 40 anos de idade e resulta da interação de estressores psicológicos, dieta e motilidade gastrointestinal anormal, provavelmente devido à interrupção da sinalização no eixo cérebro-intestinal.

- Doença Inflamatória Intestinal:

 A doença inflamatória intestinal (DII) resulta de respostas imunes de mucosa inapropriadas à flora intestinal normal. Ela compreende dois distúrbios:
  1. Doença de Crohn (DC ou enterite regional) - inflamação tipicamente transmural, ocorrendo em qualquer local do TGI;
  2. Colite Ulcerativa (CU) - inflamação ulcerativa severa que se estende à mucosa e submucosa e se limita ao cólon e reto.


- Epidemiologia:

As DII são mais comuns em mulheres, principalmente durante a adolescência e aos 20 anos de idade. Também são mais comuns em países desenvolvidos, o que corrobora com a hipótese da higiene, ou seja, a frequência reduzida de infecções entéricas resulta do desenvolvimento inadequado da regulação imune da mucosa.

- Patogenia:

As DII são resultado de uma combinação de defeitos intestinais nas interações hospedeiro com a flora gastrointestinal, disfunção epitelial e imunidade aberrante de mucosa. O modelo vigente atualmente é que o fluxo transepitelial dos micro-organismos ativas as respostas imunes inatas e adaptativas. Em um hospedeiro suscetível, a liberação subsequente de TNF e outras sinais inflamatórios aumenta a permeabilidade das junções de oclusão. Estes eventos estabelecem um ciclo de auto-amplificação do influxo microbiano e respostas imunes do hospedeiro que culminam, em última instância, em DII.

1- Doença de Crohn:

A DC envolve somente o intestino delgado em 40% dos casos, intestino delgado e cólon em 30%, e somente cólon nos 30% restantes.

- Morfologia:

  • Macroscopicamente: Lesões Salteadas - áreas da doença nitidamente delineadas com serosa granular e inflamada. A parede intestinal é espessada e elástica. Úlceras aftosas aparecem nas mucosas. A aparência de paralelepípedos ou de pedras de calçamento é observada quando a mucosa está intercalada. O tecido comprometido é deprimido em relação à mucosa normal. Fissuras também são comuns.
  • Microscopicamente: Inflamação e ulcerações de mucosa com neutrófilos e abcessos criptais. Dano crônico da mucosa com atrofia. Inflamação transmural com agregados linfoides na submucosa, parede muscular e gordura subserosa. Granulomas caseosos que ocorrem por todo o intestino, até em partes não acometidas (35% dos pacientes).
- Características Clínicas:

Os pacientes apresentam ataques intermitentes de diarreia, febre e dor abdominal. Os períodos assintomáticos podem durar de semanas a meses.

Alguns sintomas costumam ser constantes: má absorção, dependendo da região afetada. Estreitamento fibrótico ou fístulas para as vias adjacentes. Geralmente, há recorrência nesses locais de anastomose.


- Pólipos:
São massas que causam protrusão no lúmen intestinal, podendo ser pedunculadas ou sésseis, neoplásicas ou não neoplásicas.

Os pólipos podem ser Inflamatórios, Hamartomatosos, Hiperplásicos ou Neoplásicos.






- Hemorroidas:

As hemorroidas são dilatações varicosas do plexo venoso submucoso anal e perianal. Elas acometem 5% dos adultos e estão casualmente associadas a constipação (esforço excessivo para evacuar), estase venosa durante a gravidez e cirrose (hipertensão porta).
As hemorroidas externas ocorrem com ectasia do plexo hemorroidal inferior, abaixo da linha anorretal. As hemorroidas internas são devido à ectasia do plexo hemorroidal superior, acima da linha anorretal. Pode haver trombose secundária, estrangulamento ou ulceração com formação de fissuras.




- Apendicite Aguda:

A apendicite aguda é a condição abdominal mais comum que necessita de cirurgia. O risco de morte gira em torno dos 7%.

- Patogenia:

50% - 80% dos casos de apendicite são associados à obstrução do lúmen apendicular por fecalomas, tumores ou vermes. Isso causa um aumento da pressão intraluminal, seguido de isquemia e invasão bacteriológica.

- Morfologia:

A apendicite aguda precoce exibe um exsudato escasso de neutrófilos. A serosa é firme, granular e avermelhada.
A apendicite aguda avançada (supurativa) envolve infiltrado neutrofílico mais severo, formação de abscesso luminal, ulceração e necrose supurativa. Esta pode progredir para apendicite aguda gangrenosa, seguida de perfuração.

- Características Clínicas:

Pode ocorrer em qualquer idade, mas acomete principalmente adolescentes e jovens adultos. Classicamente, há uma dor peri-umbilical que migra para o quadrante inferior direito, náuseas e vômitos, sensibilidade abdominal, febre baixa e leucocitose.
As complicações incluem pieloflebite, trombose de veia porta, abscessos de fígado e bacteremia. 


Bons estudos pessoal!
=)