terça-feira, 28 de maio de 2019

Patologias do SNC II

Doenças Cerebrovasculares:

Doença cerebrovascular é a terceira causa mais comum de morte nos EUA (perdendo apenas para doenças cardíacas e câncer). É a causa mais comum de morbidade e mortalidade neurológicas. A doença é uma consequência de hemorragia devido à ruptura vascular ou de isquemia e infarto devido a oxigenação ou perfusão deficitária.


Hipóxia, Isquemia e Infarto:

A privação de oxigênio ao encéfalo causa necrose isquêmica tanto global (encefalopatia isquêmica ou hipóxica) quanto local (infarto cerebral). Em locais de perfusão diminuída, o resultado depende da circulação colateral, duração da isquemia e da magnitude e velocidade da redução do fluxo. 

Acidente vascular encefálico é a designação clínica para esses eventos, particularmente com início agudo dos sintomas.

Os dois tipos de AVC, resumidos:

Hipotensão, hipoperfusão e estados de baixo fluxo (Isquemia Cerebral Global):

Hipoxia pode ocorrer secundariamente ao conteúdo reduzido de oxigênio sanguíneo ou à hipotensão. Neurônios são mais sensíveis do que os astrócitos e os oligodendrócitos, e alguns neurônios são mais sensíveis que outros, devido às diferenças de fluxo sanguíneo regional e/ou demanda metabólica.

Isquemia global severa leva à morte celular neuronal generalizada, e os pacientes que sobrevivem podem permanecer em estado vegetativo ou mesmo ter uma morte cerebral. Quando mantido em ventilação mecânica, o cérebro desses pacientes costuma sofrer autólise (cérebro de respirador).

Se a oxigenação está comprometida apenas incompletamente, infartos marginais (zona limítrofe) podem ocorrer na interface entre suprimentos vasculares principais. O território entre a artéria cerebral anterior e média é mais vulnerável.

Morfologia
  • Macroscopicamente: as áreas isquêmicas estão edemaciadas, com os giros mais amplos e sulcos estreitados. Existe demarcação precária entre substância cinza e branca.
  • Microscopicamente: entre 14 e 24 horas após a lesão, a isquemia celular é demarcada pela presença de neurônios vermelhos. Infiltração neutrofílica subsequente é seguid por influxo de macrófagos, neovascularização e reação de gliose. Perda neuronal cortical desigual e gliose alternando com zonas preservadas geram um padrão denominado necrose pseudolaminar.

Infarto por obstrução de suprimento sanguíneo local (isquemia cerebral focal):

Infarto por obstrução de um suprimento sanguíneo local pode resultar de oclusão arterial trombótica ou embólica. as manifestações clínicas dependem da localização anatômica da lesão. Os déficits evoluem com o tempo e podem ser permanentes ou melhorar lentamente.

As causas normalmente são trombos e êmbolos relacionados à aterosclerose. Porém, lesões inflamatórias podem também causar estreitamento luminal e infarto cerebral.

Morfologia:
  • Infartos não-hemorrágicos: conhecidos também como infarto brando isquêmico ou anêmico, são evidentes após 48 horas como regiões cerebrais edematosas, pálidas e amolecidas, com infiltração neutrofílica. O tecido então se liquidifica e uma cavidade preenchida de fluido contendo macrófagos é revestida por glia reativa.
  • Infartos hemorrágicos: característicos da oclusão embólica ou lesão de reperfusão - exibem extravasamento de sangue, mas, fora isso, eles evoluem de uma maneira comparável aos infartos isquêmicos.

Doença Cerebrovascular Hipertensiva:

A mais característica é a encefalopatia hipertensiva:
  • Encefalopatia Hipertensiva Aguda: é uma síndrome clinicopatológica causada pelo aumento da pressão intracraniana e que se manifesta como disfunção cerebral difusa (dores de cabeça, vômito, convulsões e algumas vezes coma). Intervenção terapêutica rápida é necessária. Exames pós morte revelam um encéfalo edematoso (ocasionalmente com herniação) com petéquias e necrose arteriolar fibrinoide.
  • Encefalopatia Hipertensiva Crônica: pequenos infartos recorrentes (hipertensivos, ateroscleróticos e/ou embólicos) podem levar à demência vascular (infarto múltiplo), uma síndrome caracterizada por demência, anomalias de marcha, sinais pseudobulbares e outros déficits neurológicos focais.

Infecções:

Lesões infecciosas ao SNC podem ocorrer por dano microbiano direto, através da elaboração de toxinas microbianas ou pelo efeitos da resposta imune do hospedeiro. Micróbios podem acessar o SNC por:

  • Disseminação hematógena - mais comum, usualmente arterial.
  • Implantação direta - geralmente traumática;
  • Extensão local - a partir de uma infecção estabelecida nos seios faciais;
  • Transporte axonal - ao longo dos nervos periféricos (ex: raiva e herpes-zóster).

Meningite Aguda:


Meningite Piogênica Aguda (Bacteriana):

Os patógenos diferem pelos grupos etários:
  • Neonatos: E. coli e estreptococos do grupo B.
  • Lactantes e crianças: S. pneumoniae;
  • Adolescentes e adultos jovens: Neisseria meningitidis;
  • Idosos: S. pneumoniae e Listeria monocytogenes.
Os indivíduos afetados apresentam febre, dor de cabeça, fotofobia, irritabilidade, confusão e rigidez no pescoço. O LCR é purulento, com neutrófilos e microrganismos, proteína aumentada e glicose diminuída.

- Morfologia:
  • Macroscopicamente: os vasos meníngeos estão ingurgitados e existe um exsudato purulento.
  • Microscopicamente: neutrófilos preenchem o espaço subaracnoideo. Nos casos fulminantes, a inflamação pode se estender focalmente para dentro do SNC subjacente (cerebrite). Flebite pode causar trombose venosa e infarto hemorrágico. A resolução pode levar a fibrose leptomeníngea e hidrocefalia.

Meningite Asséptica Aguda (viral):

A meningite asséptica aguda (viral) é caracterizada pela irritação meníngea, LCR linfocítico com pleocitose, moderada elevação proteica e glicose normal. O curso é geralmente menos fulminante do que para a meningite piogênica e é autolimitado. Patógenos causadores são infrequentemente identificados.


- Doenças Desmielinizantes:

Essas desordens, hereditárias ou adquiridas, são caracterizadas por dano na mielina com relativa preservação dos axônios. Os déficits neurológicos são secundários à perda de transmissão de impulsos elétricos.

- Esclerose Múltipla:

Esclerose múltipla (EM) é uma doença desmielinizante autoimune caracterizada por episódios distintos de déficit neurológico separados no tempo e atribuíveis a lesões na substância branca que são separadas no espaço. Mulheres são afetadas duas vezes mais frequentemente do que homens. O pico do início é entre a infância e os 50 anos de idade.

O curso natural é variável, mas é caracteristicamente de recaída e remissão com início agudo do déficit e remissão parcial lenta e gradual. A frequência de recaídas tende a diminuir com o tempo, mas a maioria dos pacientes exibe deterioração neurológica estável.

- Patogenia:

EM é atribuída à resposta imune celular direcionada contra a mielina. Fatores genéticos e ambientais são ambos implicados, embora o estímulo incitante (ex: infecção pelo vírus Epstein-Barr) seja incerto na maioria dos casos.

A doença é iniciada por células CD4+ respondendo aos componentes de mielina. O Líquido cefalorraquidiano de pacientes afetados exibe uma resposta oligloconal de imunoglobulinas, sugerindo uma contribuição de imunidade por células B.

- Morfologia:

Macroscopicamente: as lesões (placas) são áreas nitidamente definidas de descoloração cinza da substância branca ocorrendo especialmente ao redor dos ventrículos, mas podendo ocorrer em qualquer lugar do SNC.

Microscopicamente: placas ativas mostram a quebra da mielina, macrófagos, repletos de lipídios e relativa preservação axonal. Linfócitos e células mononucleares estão proeminente nas bordas das placas e ao redor das vênulas. Placas inativas não possuem infiltrado celular inflamatório e apresentam gliose. A maioria dos axônios dentro da lesão persiste, mas permanece não mielinizada.

- Aspectos Clínicos:

Embora as manifestações neurológicas possam ser diversas (dependendo do local da desmielinização), certos aspectos são mais comuns:


  • Deficiência visual unilateral devido à neurite óptica é uma manifestação inicial frequente, embora apenas 10 a 50% dos pacientes com envolvimento no nervo óptico progrida para EM plena.
  • O envolvimento do tronco encefálico produz sinais nos nervos cranianos, ataxia, nistagmo e oftalmoplegia internuclear.
  • Lesões na medula espinal causam deficiência motora e sensorial dos membros e tronco, espasticidade e disfunção da vesícula urinária.


- Doenças Degenerativas:

São doenças da substância cinzenta, caracterizadas pela perda progressiva de neurônios específicos com alterações secundárias de tratos da substância branca. Um achado comum é  a presença de agregados de proteínas resistentes à degradação por proteassoma. Desordens degenerativas do SNC são agrupadas de acordo com o local anatômico da perda neuronal (e/ou manifestações clínicas relacionadas), bem como com a natureza das inclusões associadas ou estruturas anormais.

As doenças degenerativas podem, então, afetar o córtex (principal manifestação clínica é a demência) ou os núcleos da base e o tronco encefálico. Falaremos sobre os dois exemplos mais conhecidos, o mal de Alzheimer, que afeta o córtex cerebral e o Parkinson, que afeta os núcleos da base.

- Doença de Alzheimer:

A doença de Alzheimer (DA) é a enfermidade causadora de demência mais comum dos idosos, alcançando a prevalência de mais de 40% no grupo de 85 a 89 anos. Ela usualmente começa após a idade de 50 anos, com progressiva deterioração insidiosa das funções intelectuais superiores por 5 a 10 anos de idade. A maioria dos casos é esporádica, embora pelo menos 5 a 10% dos casos sejam familiares. Doença intercorrente (como a pneumonia) é a causa de morte na maioria dos pacientes de DA.

- Morfologia:

Macroscopicamente: há atrofia cortical com giros estreitados e sulcos ampliados especialmente no lobo frontal, temporal e parietal. Hidrocefalia pode ocorrer também. As estruturas do lobo temporal médio (hipocampo, córtex entorrinal e amígdala) estão envolvidos precocemente e ficam severamente atrofiados nos estágios tardios.

Microscopicamente: não existem achados patogênicos exclusivos da DA. Placas neuríticas e emaranhados neurofilamentares são característicos, mas uma vez que estes podem ocorrer em indivíduos não dementes, o diagnóstico formal de DA é baseado em aspectos tanto clínicos quanto patológicos.

  • Placas neuríticas: coleções esféricas de processos neuríticos dilatados e tortuosos (neurites distróficas) ao redor de um núcleo amiloide central. Micróglia e astrócitos reativos estão na periferia. O núcleo amiloide predominante contém Beta-amiloide, um peptídeo 40 aminoácidos processados a partir de uma proteína precursora amiloide (PPA) maior. Beta-amiloide também pode ser depositada na ausência de reação neurítica.
  • Emaranhados neurofibrilares: feixes de filamentos emparelhados no citoplasma do neurônio, sendo a grande maioria formado por proteínas TAU hiperfosforiladas (proteína associada ao microtúbulo).


- Patogenia:

Deposição de beta-amiloide constitui anomalia fundamental da DA. Os peptídeos beta-amiloide se agregam e podem ser neurotóxicos, resultando em disfunção sináptica. Os agregados também evocam resposta inflamatória que pode causar dano através da liberação de mediador. Embora os emaranhados neurofibrilares sejam associados à DA, eles não parecem ser causadores.

Beta-amiloide (AB) deriva do processamento de uma proteína transmembrana, conhecida como PPA. Quando essa clivagem é realizada pela enzima Beta secretase, gera fragmentos de peptídeos conhecidos como amiloidogênicos. Se a clivagem for realizada pela Alfa secretase, nenhuma beta-amiloide será formada.

As várias formas familiares de DA são relacionadas às mutações na PPA ou nas alterações do seu processamento.


- Doenças Degenerativas dos Núcleos da base e do tronco:

Essas doenças são associadas a desordens do movimento, tremor e rigidez. Tipicamente há tanto uma insuficiência de movimentos voluntários quanto um aumento de movimentos involuntários.


- Parkinsonismo:

É uma síndrome clínica caracterizada pela diminuição da expressão facial, postura curvada, movimentos voluntários lentos, marcha festinante (passos progressivamente encurtados e acelerados), rigidez e um tremor associado à função diminuída do sistema dopaminérgico nigroestriatal. 

Suas causas incluem:
  • Mal de Parkinson.
  • Atrofia Sistêmica Múltipla;
  • Demências frontoparietais associadas a distúrbios do movimento.
  • Antagonistas de dopamina ou toxinas (como alguns pesticidas).
- Mal de Parkinson:

O mal de Parkinson (MP) é diagnosticado em indivíduos com parkinsonismo progressivo responsivo à l-dihidroxifenilalanina (L-DOPA) na ausência de toxina ou de outra etiologia conhecida.

- Morfologia:

Há uma perda de substância negra e locus cerúleo com perda de neurônios pigmentados catecolaminérgicos e gliose. Corpúsculos de Lewy (inclusões eosinofílicas intracitoplasmáticas) ocorrem nos neurônios remanescentes.

- Patogenia:

Mais de 12 loci genéticos estão associados ao MP. Formas autossômicas dominantes da doença incluem mutações que causam super expressão de uma proteína associada à sinapse, conhecida como Alfa-Sinucleína. 

Neurônios dopaminérgicos na substância negra são perdidos secundariamente a vários mecanismos:
  • Resposta ao estresse de uma proteína mal-enovelada;
  • Deflagrada por agregação de proteínas Alfa-sinucleína;
  • Atividade mitocondrial alterada.
A depleção neuronal nigral dopaminérgica leva à deficiência estriatal de dopamina que se correlaciona com a severidade da síndrome motora.



- Aspectos Clínicos:

Além do parkinsonismo, disfunções autonômicas e cognitivas podem ocorrer. A terapia de reposição de L-DOPA pode fornecer alívio sintomático transitório, mas não reverte a destruição neuronal ou para a progressão da doença. 

Com o tempo, os pacientes se tornam altamente refratários ao tratamento.

Transplante neural, terapia gênica, lesões neurocirúrgicas no sistema extra-piramidal e estimulação encefálica profunda são abordagens terapêuticas adicionais.


Bons estudos pessoal,
Futuramente vou escrever matérias distintas para cada uma dessas doenças.

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