Boa tarde pessoal,
Vamos começar, hoje, a estudar duas das grandes capacidades cognitivas do nosso cérebro, o aprendizado e a memória.
Este resumo é baseado no capítulo sobre aprendizado e memória do Livro de Neurociências do Beer e também do Capítulo sobre aprendizado e Memória do Livro Neurociência da Mente e do Comportamento, do Lent.
Para começarmos o assunto. algumas definições:
- Memória: processo pelo qual adquirimos, formamos, conservamos e evocamos informações.
- Aprendizagem: processo de aquisição de informação.
- Evocação: lembrança, resgatar e trazer à tona alguma memória.
A neurociência considera, hoje, que nosso conjunto de memórias forma nossa personalidade. Mas Bruno, e a genética da pessoa? Não é a genética que define?
Pessoal, a genética tem grande influência, mas muitos casos, se não todos, a influência do ambiente em que a pessoa se desenvolve, o ambiente que a criança vivencia, acaba influenciando mais que a genética.
Para exemplificarmos, pensem na seguinte questão: O que acontece, normalmente, com uma criança que cresce em um ambiente hostil, com violência, com agressões?
Na esmagadora maioria, a criança cresce introvertida, com problemas de ansiedade e/ou depressão, sinais de agressividade.
Lembrem-se, crianças se comportam como esponjas e são espelhos das atitudes das pessoas que convivem. Esponja porque absorvem todas as informações à sua volta, espelho porque imitam, literalmente, os comportamentos que observam. Então, uma criança que cresce em um ambiente hostil tem a grande chance de ser um adulto hostil, que vai repetir com sua família o que passou quando criança.
Porém, essa conta não é exata, e existem diversos caminhos a serem seguidos por qualquer pessoa.
- Qual a importância do estudo com animais para nosso conhecimento sobre memória e aprendizado?
Boa parte do que sabemos hoje, sobre o nosso próprio cérebro, se deve ao estudo com o cérebro de outros animais. Macacos e ratos/camundongos acredito estar entre os animais mais estudados.
Descobriu-se, ao longo de décadas de pesquisas, que os circuitos neurais dos animais são muito parecidos com os nossos. Que as moléculas utilizadas no contato entre os neurônios, os neurotransmissores, são as mesmas. Que muitas respostas neurais e muitos comportamentos são compartilhados por diversas espécies.
Um exemplo fácil de visualizar é um comportamento conhecido como Esquiva Inibitória, um grande mecanismo com valor adaptativo absurdo.
Pensem em uma pássaro, se ele colocar o bico onde não deveria e se machucar, ele aprende e não faz mais. Um cavalo, quando encosta em uma cerca eletrificada ou com pontas, e se machuca, ele não encosta mais. Uma criança, quando enfia o dedinho na tomada e toma um choque, a tendência é que ela não o faça mais. E assim por diante, em diversas espécies. Um comportamento comum, uma forma de aprendizado, que ocorre entre diversas espécies completamente diferentes, e que serve como adaptação visando a sobrevivência.
Vocês já viram a dança do Tangará, um pássaro que existe aqui no Brasil?
Esse lindo pássaro é uma espécie que dança para conquistar a fêmea e conseguir acasalar. Mas não bastasse a dança, essa espécie produz literalmente um show. Por semanas, esse pássaro ensaia, com mais dois a coreografia. Então, prestem bem a atenção, além de aprender a dança, ele reúne e ensina dois amigos, que servem de apoio na dança. Além disso, um macho mais novo faz o papel da fêmea nos ensaios. O que mais podemos aprender com eles? Quando vamos começar a prestar mais atenção na natureza que nos cerca?
Nos humanos, temos uma característica muito marcante. A formação das nossas memórias é completamente influenciada pelos nossos sentimentos, pela nosso nível de atenção e consciência na tarefa em questão e até pelo nosso humor.
Até pelo nosso humor?
Sim, e bastante ainda. Pense em duas hipóteses: você precisa estudar, é uma matéria que você gosta mas uma matéria difícil, que necessita atenção e disposição para aprender e memorizar os dados. Como você vai aprender melhor? Com bom humor ou com mau humor? Em um dia feliz, que você está focado, animado, ou em um dia que você está estressado, que você está cansado?
A esmagadora maioria, mais uma vez, acaba escolhendo os dias com mais disposição e com um melhor humor como o melhor para se aprender, independente do que você quer aprender.
Sobre o envolvimento de sentimentos eu pouco preciso exemplificar, ou vocês não perceberam como guardamos com detalhes, as vezes detalhes até demais, nossas experiências boas e ruins? Alias, quanto mais intensa emocionalmente a experiência, maior a chance de ela se tornar uma memória de longo prazo.
- Nossa memória é 100% confiável?
Infelizmente, não!
Nosso encéfalo, de uma forma geral, tende a descartar, com o tempo, informações que ele considera triviais, pouco importantes. Isso não é nem de longe um problema, muito pelo contrário, ele está sempre liberando espaço ocupado sem necessidade para construirmos novos conhecimentos em forma de memória.
O grande problema é que ele apaga fatos irrelevantes das nossas memórias antigas, de fatos e eventos que gostamos de lembrar, aquelas coisas que nos traz prazer de lembrar: um dia em família, o nascimento do seu filho, seu casamento... E ai, toda vez que acessamos, esse episódio está um pouco diferente. Porque nosso cérebro apaga o que não considera importante e substitui esses fatos com fatos mais novos.
Pensem no exemplo: você lembra do brinde do seu casamento. Mas você lembra de todos os detalhes que te cercavam? Você lembra do formato da taça? E da marca do champanhe que estava na taça? Você lembra quem estava ao seu lado direito? É bem provável que você não se lembre de nenhuma dessas informações, mas você consegue acessar a memória, consegue sentir o prazer e a emoção do momento. A única coisa é que ela não é 100% real.
Guardamos durante toda nossa vida aqueles fatos e eventos que mais nos marcaram, porque nosso cérebro entende que aquilo é o mais importante e que pode facilitar nossa vida dali para frente. Também é um mecanismo evolutivo, uma forma de prevenção.
Como disse ali em cima, da mesma forma como algumas informações são apagadas, outras são incorporadas, e, muitas vezes, essas "mentiras" incorporadas vem para embelezar nossas histórias.
Quando você fala de alguém falecido, tem a tendência de ressaltar as características positivas da pessoa e desconsiderar as negativas, mesmo que em vida considerasse essa pessoa um grande babaca.
- Memórias VS Memória:
Importante diferenciarmos essas duas expressões porque as utilizamos de forma errada.
Memórias podem ser dos mais variados tipos, podem ser do mesmo número quanto o número de experiências possíveis que podemos viver. Já parece bastante nessa frase, imagine esse número de experiências possíveis multiplicado por cinco sentidos. Tudo o que podemos experimentar (comidas as mais variadas, temperos os mais variados...), tudo que podemos ler ou assistir, tudo que podemos tocar. Todas as músicas que podemos ouvir. Todos os cheiros, perfume de flores, de boas comidas, de bons restaurantes.
As experiências possíveis são infinitas, assim como o número de memórias que podem se formar a partir delas.
Além disso, essas memórias podem ser prazerosas ou não. Podem ser adquiridas em segundos, como tomar um choque, ou demorar anos, como virar um profissional, como um psicólogo ou um biomédico.
Já Memória, sem o S, deve ser utilizada para definir a capacidade geral do nosso encéfalo de adquirir, guardar e evocar informações. E ela é gigantesca.
- Como você se lembra do gosto da comida de sua avó?
Como conseguimos lembrar de algo que aconteceu a mais de uma, duas décadas? Nossa memória é realmente incrível, não?
Quando comemos alguma coisa (isso serve também para as outras entradas sensoriais, como os cheiros que sentimos), um circuito específico de neurônios é ativado, gerando ou não prazer. No meu caso, gosto muito de hambúrguer, e sempre que posso como um. Cada vez que eu repito esse ato, de comer um hambúrguer, meu cérebro vai ativando as mesmas conexões, e, conforme vamos repetindo uma coisa, essas conexões entre os neurônios vão se fortalecendo.
Isso é o que chamamos, na neurociência, de consolidação sináptica. Ou seja, essa informação vai se consolidando no nosso cérebro, e vamos ficando cada vez mais aptos a lembrar dela.
Se isso envolver sentimentos, como falei lá em cima no texto, é guardado com força maior ainda. Estar na casa da sua avó, com sua família, por si só já formaria uma excelente memória agradável. Se tivesse uma comida gostosa toda vez que isso acontecia, pronto! Nosso cérebro faz a mágica e permite que, depois de tantos anos, consigamos lembrar os detalhes daqueles dias, o cheiro da comida, o sabor da comida, sem estar nem perto da comida. Isso é fantástico.
Outra definição possível para memória, agora com mais conhecimentos sobre o tema, é a seguinte:
Nosso cérebro faz um truque de mágica e consegue codificar a realidade do momento ou da experiência que estamos vivendo, e depois utiliza esse código para utilizar no futuro.
- Por que as memórias não podem ser consideradas totalmente iguais às experiências?
Aqui acontece um mecanismo muito simples. Se eu falei para vocês que o cérebro codifica as informações, as experiências, para formar as memórias, isso implica que ele faz um processo parecido com uma tradução.
Quer dizer: existe a experiência em si. Para guardá-la, o cérebro vivencia, sente a experiência e codifica as informações na forma de memória. Aqui, nesse processo de Tradução neuronal, algumas informações são perdidas ou mesmo ignoradas pelo cérebro. Quer dizer, a realidade daquele momento não é igual à memória.
Mas, quando acessamos a memória, quando lembramos do ocorrido, nossa memória passa novamente por uma tradução, que é traduzir os dados da memória em sensações e lembranças. Mais uma perda de informação. Isso muda as histórias, as lembranças, mas não as apagas. Apesar de não serem 100% confiáveis, temos que agradecer por tamanha capacidade de armazenamento do nosso cérebro.
Quem gosta de livros, sabe muito bem que ler um livro na língua original do autor é uma coisa bem diferente de ler um livro traduzido. Isso implica outra pessoa interpretando as ideias do autor e tentando colocá-las em uma língua diferente, isso acarreta perdas inevitáveis. Como na formação e na evocação de nossas memórias.
Além disso, lembrem-se que emoções e o contexto influenciam diretamente nessas lembranças e na formação delas, o que pode distorcer mais ainda a experiência em si. Porém, mais uma vez, isso não diminui a importância delas. Pouco importa se você não lembra a roupa que vestia naqueles encontros de família, se você consegue se lembrar da sensação de prazer de estar com quem se ama.
- Esquecimentos VS Problemas de memória.
Por favor, parem de dizer que estão com problemas de memória por não lembrar onde deixaram o carro, ou onde estão as chaves. É bem mais provável que você não tenha prestado atenção onde estacionou, onde colocou a chave na hora que chegou em casa falando no celular.
Notem, se você não prestou atenção no que estava fazendo, você não formou uma memória. Se não foi formada uma memória, você não tem como acessá-la depois. Isso está diretamente ligado à Atenção e não à capacidade de memória.
É a mesma coisa que reclamar que não viu determinado conteúdo em uma aula ou palestra enquanto, na verdade, você estava mexendo no celular.
Falaremos na continuação dessa matéria sobre amnésias, problemas sérios e reais de memória, e posteriormente falarei sobre Alzheimer também. Esses casos são problemas de memória. O restante, se não for falta de atenção é apenas estresse.
Para finalizarmos essa primeira parte, podemos concluir que:
Nosso cérebro, então, converte a realidade em um código de sinais elétricos e bioquímicos, através da conexão dos neurônios (sinapses), para formar nossas memórias. No processo que a neurociência chama, muitas vezes, de Tradução Neuronal.
Espero que guardem algumas memórias dessa matéria! rs
Obrigado pela atenção.
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