quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Potenciais de Ação

Bom dia pessoal,
hoje vamos falar sobre o famigerado potencial de ação. Uma resposta sensacional de nossas células nervosas que permite a troca de informação entre elas.

Antes de seguir para a aula em sim, você conseguiu entender o que são os demais potenciais de membrana? Você entendeu o potencial de difusão, o de equilíbrio e o de repouso? Se a resposta for não, comece lendo o material do link abaixo, e depois venha para esse:



Essa aula sobre Potencial de Ação é baseada no capítulo 5 do livro Tratado de Fisiologia Médica - Guyton e Hall 

Os sinais nervosos em nosso corpo são transmitidos por potenciais de ação (PA), que são rápidas alterações do potencial de membrana que se propagam com grande velocidade por toda a membrana da fibra nervosa.
Cada potencial de ação começa por uma alteração súbita do potencial de membrana normal negativo para um potencial positivo, terminando então com um retorno muito rápido para o potencial negativo. E, para conduzir então o sinal nervoso, esse potencial de ação tem a capacidade de se deslocar ao longo da fibra nervosa, até sua extremidade final.

A figura abaixo mostra as alterações que ocorrem na membrana celular durante o potencial de ação - a transferência de cargas positivas para dentro da fibra, no seu início, e a saída dessas cargas positivas no final do potencial de ação. A parte inferior da figura mostra as alterações da membrana em um gráfico, que, para vocês terem ideia, essas alterações duram poucos décimos de milésimos de segundos, ou seja, são absurdamente rápidas (início explosivo do PA).



Os estágios sucessivos do potencial de ação são descritos a seguir:

  • Estágio de Repouso: é o que conhecemos como potencial de repouso da membrana, estado que a membrana e a célula se encontram entre dois potenciais de ação. Aqui, a membrana encontra-se polarizada, em seu potencial de membrana de cerca de -90 milivolts.
  • Estágio de Despolarização: De repente, a membrana fica subitamente muito permeável aos íons sódio, permitindo que uma grande quantidade de íons sódio, com carga positiva, se difunda para o interior do axônio. O estado de repouso então (de -90 milivolts) é neutralizado pelo influxo de sódio, e esse potencial aumenta rapidamente para um valor positivo. Esse processo, de rápida mudança de potencial (negativo para positivo) é o que chamamos de Despolarização.
  • Estágio de Repolarização: em alguns décimos de milésimos de segundo após a membrana ficar permeável aos íons sódio, os canais de sódio começam a se fechar e os canais de potássio se abrem mais do que o normal. Assim, os íons potássio começam a se difundir para fora da fibra nervosa, levando consigo suas cargas positivas, fazendo com que o potencial da membrana volte a ser negativo. A esse processo, damos o nome de Repolarização.

Então: Potencial de Repouso --> Despolarização (entrada de sódio) --> Potencial de Ação --> Repolarização (diminui muito a entrada de sódio e ocorre grande saída de potássio).

Uma figura típica de um potencial de ação (simplificada):



Como vimos nos tópicos sobre as fases do potencial de ação, dois íons extremamente importantes nesse processo são nossos conhecidos sódio e potássio. Para entendermos o papel de ambos nesse potencial, temos que entender alguns conceitos dos canais que transporta sódio e potássio nessas células nervosas, que são canais regulados por voltagem.

- Os canais de sódio e potássio regulados por voltagem:

Os canais de sódio controlado por voltagem são os agentes necessários para a fase de despolarização do potencial de ação, enquanto os de potássio são importantes para a fase de repolarização. Porém, temos que ter em mente, que ambos trabalham em conjunto com a bomba de sódio e potássio (transporte ativo) e com os canais de vazamento de potássio e sódio (cerca de 100 vezes mais permeáveis ao potássio do que ao sódio).

Como vemos na figura abaixo, os canais de sódio respondem abrindo e fechando muito mais rápido que os canais de potássio. A parte de cima da figura mostra três estados do canal de sódio e a parte de baixo dois estados do canal de potássio:



Os canais de sódio possuem duas comportas, uma voltada para o líquido extracelular (porção externa da membrana - comporta de ativação) e outra voltada para o líquido intracelular (porção interna da membrana - comporta de inativação). No estado de repouso (-90 milivolts), a comporta de ativação está fechada e a de inativação está aberta, como mostrado no canto esquerdo superior da figura. Quando essa comporta está fechada, nenhuma quantidade de sódio atravessa esses canais. Quando ocorre alteração no potencial de membrana (normalmente ele chega a -70 ou a -50 milivolts) ocorre uma alteração conformacional abrupta no canal de sódio, ou seja, a comporta de inativação se abre repentinamente, fazendo com que o canal fique totalmente aberto e permeável ao sódio (Estado Ativado). Para termos uma ideia, nesse estado ativado, a membrana aumenta sua permeabilidade para o sódio de 500 a 5.000 vezes. E, como podemos imaginar, muito sódio entra através da membrana.

Rapidamente, esses canais de sódio passam para um estado inativo, fechando suas comportas internas. Ao fechar, cessa-se o influxo (entrada) de sódio, e o potencial da membrana começa a retornar ao seu valor normal negativo. Esse processo é o que chamamos de Repolarização. O interessante aqui, é que essa comporta interna do canal de sódio (a de inativação) só volta a se abrir quando o potencial da membrana chega ao seu potencial de repouso (-90 milivolts).

A parte inferior da figura acima mostra dois estados dos canais de potássio em relação ao potencial de ação. À esquerda, um estado inativado (repouso) e depois, à direita, um estado ativo, que acontece ao final do potencial de ação. Os canais de potássio, então, encontram-se fechados quando a membrana está em seu potencial de repouso (-90 milivolts) e só se abrem quando a membrana se aproxima do potencial de 0 milivolts (pico do potencial de ação - pico da despolarização), ou seja, só abrem quando os canais de sódio estão começando a se fechar. Assim, a diminuição da entrada de sódio e o aumento da saída de potássio aceleram o processo de Repolarização, quando a membrana volta ao seu potencial de repouso.

Reparem, na figura abaixo, o que acontece em cada etapa do potencial de ação. Começamos com um potencial de repouso, seguido da despolarização (grande entrada de sódio), na terceira etapa, a de repolarização, o sódio para de entrar (canais se fecharam) e o potássio começa a sair (canais de potássio se abriram), até chegarmos ao quarto estágio da figura, onde começam a agir também a bomba de sódio e potássio e o potencial retorna ao normal. Notem na figura, que na parte superior temos escrito Potencial de Ação no exato lugar onde ele ocorre, no pico da despolarização:



- Resumo dos eventos causadores de Potencial de Ação (PA):

Durante o repouso, o que chamamos de potencial de repouso da membrana, a condutância para os íons potássio é cerca de 50 a 100 vezes maior que para os íons sódio. Isso é devido à maior permeabilidade dos canais de vazamento ao potássio do que ao sódio. Porém, com o início do potencial de ação, os canais de sódio instantaneamente se abrem (são ativados), permitindo um aumento de até 5.000 vezes na condutância de sódio. Isso resulta em um enorme influxo (entrada) de íons sódio, o que leva o potencial de membrana até 0 ou mesmo a ficar positivo (processo que chamamos de Despolarização ou Fase Ascendente do Potencial de Ação). Então, em questão de milissegundos, o processo de Inativação fecha os canais de sódio (suas comportas internas se fecham) e o influxo de sódio cessa. O desencadeamento do potencial de ação também afeta os canais de potássio regulados por voltagem, que se abrem no final do processo de despolarização, quando os canais de sódio começam a se fechar. Esses eventos permitem que o sódio não entre mais na fibra nervosa e que uma grande quantidade de potássio comece a sair, tornando o potencial de membrana negativo novamente. Quando a membrana volta ao seu potencial de repouso normal (-90 milivolts), os canais de potássio também se fecham, e o fluxo desses íons voltam ao normal.

Até então, vimos que o potencial de ação é composto, praticamente, de 4 etapas: Potencial de Repouso --> Despolarização --> Repolarização --> Potencial de Repouso novamente. Porém, observem na figura abaixo que existe um quinto componente nesse esquema do potencial de ação. Quando os canais de sódio se fecham e os de potássio se abrem, a membrana começa a se repolarizar (ou seja, volta a ficar negativa), porém, essa repolarização leva a membrana, rapidamente, a um potencial mais negativo do que seu potencial de repouso (mais negativo que -90 milivolts), a esse breve instante, damos o nome de Hiperpolarização (porque aqui, por um momento, a membrana fica mais negativa do que o normal). Essa hiperpolarização ocorre porque os canais de potássio são mais lentos para fechar, então acaba saindo mais potássio que o necessário. Porém, isso não é uma falha, e sim uma forma da fibra evitar que outro potencial de ação já seja gerado logo em seguida, porque se chegar um potencial de ação normal aqui, ele não vai conseguir se propagar:

Com base nessa figura acima e com tudo o que já aprendemos sobre potencial de ação nessa aula, entramos na etapa final explicando agora os seguintes tópicos:
  • Como começa o potencial de ação?
  • Como esse potencial de ação se propaga ao longo da fibra nervosa?
Para isso, prestem atenção ao seguinte ponto: no final da explicação, deveremos ser capazes de entender a existência de três características básicas de um potencial de ação, que recebem o nome de Amplitude e Formato Estereotípico, Propagação e Resposta Tudo ou Nada. 


- Início do Potencial de Ação:

  • Círculo vicioso de feedback positivo abre os canais de sódio:
Se a membrana não sofrer nenhuma perturbação, nenhum potencial de ação acontecerá na fibra nervosa. Entretanto, caso aconteça qualquer evento capaz de alterar o potencial de repouso da membrana, a voltagem crescente inicia o processo de abertura dos canais de sódio (são controlados por voltagem e extremamente sensíveis). Isso permite um grande influxo de sódio, que vai tornar o potencial da membrana mais positivo, o que consequentemente abrirá mais canais de sódio dependentes de voltagem, aumentando ainda mais essa entrada de sódio. Isso é um ciclo de feedback positivo, uma vez que quando esse feedback é suficientemente intenso, ele continua até que todos os canais regulados por voltagem do sódio sejam abertos. Então, em outra fração de segundos, ou aumento do potencial de membrana começa a inativar (fechar) esses mesmos canais de sódio e abrir os canais de potássio, terminando o potencial de ação (onde começa a repolarização da membrana).

  • O Limiar para o início do potencial de ação:
O potencial de ação só ocorre se o aumento inicial no potencial de membrana for intenso o suficiente para gerar o ciclo de feedback positivo descrito acima. Isso ocorre quando a quantidade de sódio que entra é maior do que a quantidade de potássio que sai da fibra nervosa. Normalmente, para iniciar o ciclo vicioso do feedback positivo, a alteração no potencial de membrana precisa ser de cerca de 35 milivolts, ou seja, a membrana precisa sair de um potencial de -90 milivolts para um de aproximadamente -65 milivolts, provocando um explosivo desenvolvimento do potencial de ação. Esse nível de -65 milivolts é conhecido como Limiar para estimulação. 

Entendam o seguinte, se o estímulo alterar o potencial de membrana mas não chegar a esse ponto conhecido como Limiar, não acontecerá o desenvolvimento do potencial de ação. Com isso, entendemos dois pontos importantes do potencial de ação. Se o estímulo não for suficiente, se não atingir esse limiar, o potencial não ocorre (porque não acontece a grande abertura de canais de sódio e o ciclo de feedback positivo), não ocorre a fase de despolarização. Esse fato de ser necessário atingir o limiar, diz respeito a uma grande característica do Potencial de ação, a Resposta Tudo ou Nada.

Porque Tudo ou Nada? Porque se atingir o limiar começa o feedback positivo e a resposta explosiva que culmina na despolarização (fase ascendente) - TUDO. E, se o limiar não for atingido, não existe resposta - NADA.

- Propagação do Potencial de Ação:

Vimos até agora como um potencial de ação é gerado. Porém, não vimos ainda que um potencial de ação provocado em qualquer região da membrana excitável, em geral, excita as porções adjacentes (vizinhas) da membrana, resultando na propagação do potencial de ação ao longo da fibra.

Podemos ver esse processo na figura abaixo:



A figura acima mostra como ocorre a propagação do potencial de ação. Em A, observamos a fibra nervosa em seu potencial de repouso. Em B, vemos que a região central da fibra sofreu um estímulo, ou seja, repentinamente desenvolveu permeabilidade aumentada ao sódio. Os canais de sódio se abriram e o sódio começou a entrar na fibra nervosa. O que não ainda não tínhamos visto é que, como mostrado em C e D, o influxo de sódio para dentro da fibra também propaga a alteração de potencial em alguns milímetros em volta do estímulo inicial (representado pelas setas vermelhas), o que permite a essas regiões também propagarem potenciais de ação. Assim, o explosivo potencial de ação se propaga ao longo da fibra, e o processo de despolarização percorre todo o comprimento da fibra.

Essa transmissão do processo de despolarização nas fibras nervosas e musculares recebe o nome de propagação do potencial de ação.

Como observa-se na figura, não há uma direção preferencial, o potencial se propaga até que toda a fibra seja despolarizada.
Aqui, também podemos ver o potencial tudo ou nada. A primeira região onde o potencial de ação foi gerado começa a propagá-lo, se não encontrar condições suficientemente boas para a propagação, esse ciclo se encerra. Ou seja, novamente, ou acontece ou não acontece (lembrem-se do limiar de ativação).

- Restabelecimento dos gradientes iônicos de sódio e potássio após término do potencial de ação - transporte ativo (metabolismo energético):

Como a cada ciclo do potencial de ação passamos por uma súbita entrada de sódio seguida de uma súbita saída de potássio, no final, temos que as verdadeiras concentrações de sódio e potássio pouco se alteraram dentro e fora da célula. Ainda assim, é necessário o restabelecimento das concentrações de sódio e potássio através da membrana, e quem cuida dessa parte são as bombas de sódio e potássio (transporte ativo). Ou seja, os íons sódio que entraram na célula precisam sair e os íons potássio que saíram da célula precisam voltar para ela, e lembrem-se, a bomba faz isso, para cada ATP gasto, jogando para fora três íons de sódio e trazendo para dentro dois íons de potássio. Por utilizar energia, essa etapa é chamada de metabolicamente ativa (transporte ativo).
O aumento intracelular de sódio aumenta exponencialmente a função das bombas de sódio e potássio, mas uma vez, como já discutimos algumas vezes, sempre buscando o equilíbrio.

A figura abaixo mostra um potencial de ação onde existe um platô. Ou seja, a membrana não começa a repolarizar logo após o término, ela consegue ficar um período curto de tempo (platô) no potencial de ação. Isso acontece nas células musculares cardíacas, onde a contração pode durar de 0,2 a 0,3 segundos, tempo em que dura o platô.


Nesse exemplo da figura acima, o que acontece é que existem mais canais transportadores de íon envolvidos no processo. Os canais de sódio funcionam como vimos anteriormente, gerando o pico de despolarização e o potencial de ação. Mas então, por que logo depois já não acontece o processo normal de repolarização? Porque nessas células musculares, participam também do potencial de ação alguns canais de cálcio, que se abrem mais lentamente. Assim, quando no pico do potencial de ação os canais de sódio começam a se fechar, os canais de cálcio estão abertos e o cálcio começa a entrar na célula, permitindo que ela continue com um potencial de membrana positivo durante mais algumas frações de segundo.

- Ritmicidade de alguns tecidos excitáveis - descarga repetitiva:

Alguns tecidos, como o músculo estriado cardíaco, o músculo liso e alguns neurônios do sistema nervoso central possuem descargas repetitivas espontâneas, descargas rítmicas. Imaginem no caso do coração e do intestino, o primeiro tendo ritmicidade consegue manter seus batimentos ritmados, o segundo, com sua ritmicidade, consegue gerar o peristaltismo, e levar adiante os alimentos em digestão.

A figura abaixo mostra como acontece esse ciclo de ritmicidade, como o do coração:



Nessas células, para que ocorra a ritmicidade espontânea, a membrana precisa ser permeável a uma maior quantidade de sódio, ou de sódio e cálcio, mesmo no estado de repouso. Aqui, diferentemente das células excitáveis que vimos ali em cima no texto (potencial de repouso de cerca de -90 milivolts), possui um potencial de -60 milivolts em média, ou seja, interior da membra menos negativo. Esse valor de potencial de repouso não é suficiente para manter todos os canais de sódio e cálcio fechados. Por isso, a seguinte sequência ocorre:

  1. Alguns íons sódio e cálcio fluem para o interior;
  2. Aumentam a voltagem da membrana na direção positiva (deixa menos negativa);
  3. Isso aumenta ainda mais a permeabilidade do sódio e do cálcio (mais canais vão se abrindo);
  4. Permeabilidade vai aumentando conforme o potencial vai ficando mais positivo, até que o potencial de ação é gerado. 


Então, no final desse ciclo, a membrana se repolariza, como já vimos (com o aumento da saída de potássio), hiperpolariza (fica mais negativa que o normal) e a célula só consegue disparar um novo potencial de ação depois de um pequeno espaço de tempo, normalmente de quase um segundo, quando os canais de potássio estão completamente fechados e o interior da membrana volta para o seu valor de potencial de repouso característico.

Esse ciclo acontece ininterruptamente, causando a excitação rítmica autoinduzida dos tecidos excitáveis.

Bons estudos!
Dúvida, comentem aqui ou me encaminhem um e-mail.