terça-feira, 16 de abril de 2019

Patologias Cardíacas I

Bom dia pessoal,
seguindo o plano de nossa disciplina de Anatomia Patológica, hoje vamos falar um pouco sobre as patologias cardíacas.

Para quem fez anatomia a muito tempo, recomendo a leitura do resumo 1 de Sistema Circulatório, que vocês podem encontrar no link a baixo:


Esse resumo é baseado no Capítulo 12 do livro Fundamentos de Patologia - Robbins e Cotran.

- Os efeitos do envelhecimento sobre o coração:

  • Dimensão reduzida da cavidade ventricular (da base ao ápice), levando ao aumento de volume do septo;
  • Esclerose valvar e calcificação levam à estenose (valva aórtica);
  • Alterações degenerativas valvares levam à insuficiência (valva mitral);
  • Número reduzido de miócitos e aumento da fibrose causam redução da contratilidade e complacência.

- Doenças cardíacas: visão geral da Fisiopatologia:

As doenças cardíacas são a principal causa de morbidade e mortes mundialmente. Elas somam 40% dos óbitos nos EUA (por que será né?). Normalmente, as doenças cardíacas ocorrem como consequência de um (ou mais) dos seguintes mecanismos gerais:

  • Insuficiência de ejeção - devido à insuficiência da função contrátil ou da inabilidade de relaxamento para permitir o preenchimento;
  • Obstrução do fluxo sanguíneo (aterosclerose, trombose, hipertensão ou estenose valvar);
  • Fluxo regurgitante (devido à insuficiência valvar) - efluxo de cada contração é dirigido ao sentido contrário, causando sobrecarga de volume e fluxo progressivo diminuído;
  • Desvios que permitem um fluxo sanguíneo anômalo seja da direita pra esquerda (sem passar pelos pulmões) ou da esquerda para a direita (causando sobrecarga de volume);
  • Condução cardíaca anômala - levando a contrações miocárdicas incoordenadas;
  • Ruptura do coração ou de grandes vasos.

- Insuficiência Cardíaca:

A insuficiência cardíaca congestiva (ICC) é um ponto final comum de muitas formas de doenças cardíacas. Ocorre quando um comprometimento de função torna o coração incapaz de manter um efluxo suficiente para as necessidades metabólicas do corpo ou quando ele só consegue fazer sob pressões de preenchimento elevadas.

A insuficiência cardíaca, doença cada vez mais comum no Brasil (o último levantamento mostrou que 6 milhões de pessoas sofrem com a insuficiência, e que nos próximos 15 anos dois milhões de novos pacientes surgirão), frequentemente está relacionada à pressão arterial elevada!


Pode ocorrer por:

  • Disfunção sistólica: como na deterioração progressiva da função contrátil do miocárdio - as causas incluem isquemia, sobrecarga de pressão ou volume, devido à doença valvar ou insuficiência miocárdica primária.
  • Disfunção diastólica: inabilidade das câmaras do coração relaxarem e preencherem-se durante a diástole - as causas incluem hipertrofia (mais comum), fibrose, deposição amiloide ou pericardite constritiva. Ocorre predominantemente em pacientes acima dos 65 anos e mais comumente em mulheres.


As insuficiência podem ser divididas em direitas e esquerdas.

Sofrendo com a insuficiência, o coração pode sofrer algumas alterações para compensar a perda de função:

  • Mecanismo de Frank-Starling: as pressões de preenchimento aumentadas dilatam o coração, aumentando a atividade dos sarcômeros e a contratilidade.
  • Hipertrofia do Miocárdio, devido à maior expressão de proteínas contráteis;
  • Ativação de sistemas neuro-humorais (adrenalina, sistema renina-angiotensina-aldosterona...).
Imagem retirada do site da Folha de São Paulo:


- Hipertrofia Cardíaca: Fisiopatologia e progressão até insuficiência.

  1. Como os miócitos adultos não são capazes de se multiplicar, o coração responde à sobrecarga de pressão ou de volume através da hipertrofia dos miócitos (aumento do tamanho das células). O que resulta em um coração aumentado, dilatado. Alterações parecidas podem ocorre após um infarto do miocárdio, para compensar a atividade dos miócitos perdidos.
  2. Embora inicialmente adaptativa, a hipertrofia pode tornar os miócitos vulneráveis a lesão. A densidade capilar não aumenta na mesma proporção que o tamanho das células ou às demandas metabólicas. A hipertrofia também é acompanhada por deposição da matriz intersticial que pode diminuir a complacência cardíaca.
  3. A ICC pode resultar também de uma combinação do metabolismo aberrante dos miócitos, alterações no fluxo intracelular de cálcio, apoptose e reprogramação genética. O aumento da massa do coração também é um fator de risco independente para morte súbita.
  4. A hipertrofia fisiológica, que ocorre devido ao exercício aeróbico, é uma hipertrofia de volume/carga que também tende a induzir efeitos benéficos, incluindo aumento da densidade capilar, diminuição da frequência cardíaca em repouso e diminuição da pressão sanguínea.

- Doença Cardíaca Isquêmica:

A doença cardíaca isquêmica (DCI) abrange múltiplas síndromes fisiopatologicamente relacionadas, as quais se relacionam com a isquemia do miocárdio, ou seja, derivada de uma incompatibilidade entre a demanda cardíaca e o suprimento vascular de sangue oxigenado. As consequências são insuficiência de oxigênio (hipóxia), suprimento inadequado de nutrientes e diminuição da retirada (remoção) de metabólitos.

Nos EUA, a DCI é responsável por 500.000 mortes ao ano.


A isquemia resulta de três causas possíveis:
  1. Fluxo sanguíneo coronário reduzido: comumente relacionado à aterosclerose coronária (90% dos casos), vasoespasmos e/ou trombose. A aterosclerose causa um estreitamento progressivo do lúmen coronário, processo que pode ser agravado por ruptura aguda de placas e trombose.
  2. Demanda coronária aumentada - como na taquicardia e na hipertrofia cardíaca.
  3. Hipoxia devido ao transporte reduzido de oxigênio (suprimento de nutrientes e remoção de metabólitos não são afetados) - as causas incluem anemias, doença pulmonar, doença cardíaca cianótica, intoxicação por monóxido de carbono ou tabagismo.

Existem quatro síndromes isquêmicas que se sobrepõem, diferindo na severidade e no andamento: Angina pectoris, Infarto do Miocárdio, DCI crônica e Morte Súbita Cardíaca. Falaremos um pouco mais do Infarto do miocárdio e da morte súbita cardíaca.

- Infarto do Miocárdio:

O infarto do miocárdio (IM) é a morte de miócitos causada por oclusão vascular. Nos EUA, 1,5 milhões de novos casos acontecem anualmente, com o risco aumentando progressivamente com a idade. Sendo que 10% ocorrem em indivíduos com menos de 40 anos e 45% com pessoas com 65 anos ou mais.


  • Patogenia:
O IM ocorre normalmente devido a hemorragias intraplacas, erosão de placas ou ruptura de placas com sobreposição de trombose. Em 10% dos casos, a oclusão vascular é uma consequência de vasoespasmos ou êmbolos na circulação coronária, ou devido à obstrução de vasos menores.

A oclusão coronariana causa isquemia miocárdica, disfunção e potencialmente a morte de miócitos. O resultado depende da severidade e da duração da privação de fluxo.

A isquemia severa leva à depleção de ATP e perda da função contrátil (sem morte celular) dentro de 60 segundos. Isto pode precipitar a insuficiência do miocárdio muito antes de ocorrer a morte celular. A privação completa de fluxo sanguíneo por períodos de 20 a 30 minutos ocasiona uma lesão miocárdica irreversível. 
O comprometimento grave do fluxo sanguíneo por períodos prolongados (2 a 4 horas) também pode causar lesão irreversível. Este intervalo antes da morte celular fornece ímpeto para intervenções terapêuticas "tardias" para a recuperação do miocárdio durante um IM.
Quando falamos de necrose, ela geralmente se completa dentro de 6 horas de isquemia severa; contudo, com a extensa circulação coronariana colateral,a  necrose pode seguir um curso mais lento (até 12 horas).

A distribuição da necrose miocárdica depende dos vasos que estão envolvidos (artéria descendente anterior esquerda VS artéria coronária direita) e da perfusão colateral, assim como da localização da oclusão dentro do vaso e da causa da diminuição da perfusão.



A maioria dos IM ocorre dentro de uma única artéria coronária e é transmural. Estes são devidos à aterosclerose e alteração aguda de placa com trombose.

  • Morfologia:

Após o infarto, o miocárdio passa por alterações macro e microscópicas.

As alterações macroscópicas incluem:
  • 6 a 12 horas: macroscopicamente inaparentes.
  • 18 a 24 horas: o tecido infartado torna-se aparente com áreas pálidas e cianóticas.
  • 1 semana: as lesões tornam-se progressivamente mais definidas, amareladas e amolecidas.
  • 7 a 10 dias: tecido de granulação hiperêmico aparece nas margens do infarto, com o tempo, o tecido de granulação progressivamente preenche o infarto.
  • 1 a 2 meses: tecido cicatricial apresenta-se geralmente bem estabelecido.
As alterações microscópicas incluem:
  • Menos de 1 hora: edema intercelular, miócitos ondulados nas margens do infarto. Necroso de coagulação ainda não evidente.
  • 12 a 72 horas: miócitos mortos tornam-se hipereosinofílicos com perda de núcleos (necrose de coagulação), infiltração progressiva de neutrófilos no tecido necrótico.
  • 3 a 7 dias: os miócitos mortos são digeridos por macrófagos invasores;
  • 7 a 10 dias: tecido de granulação progressivamente substitui o tecido necrótico.
  • Mais de 2 semanas: o tecido de granulação é progressivamente substituído por uma cicatriz fibrosa.
Imagem da evolução temporal - macro e microscópica:


  • Características Clínicas:
O diagnóstico do IM é baseado em sintomas (dor torácica, náusea, diaforese e dispneia), alterações eletrocardiográficas e elevação de proteínas cardiomiócito-específicas séricas liberadas de células mortas (ex: isoformas da creatina quinase MB - CK-MB). Em 10 a 15% dos pacientes, principalmente diabéticos e geriátricos, os sintomas são silenciosos (estão ausentes).

Metade das mortes associadas a IM ocorre na primeira hora. A maioria dos pacientes morre antes de chegar ao hospital. No geral, a mortalidade é de 30% no primeiro ano após o IM, com 3% a 4% da mortalidade aumentado por ano após o ocorrido.

Terapias agudas: anticoagulantes, oxigênio, nitratos, bloqueadores Beta-adrenérgicos, inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) e fibrinolíticos. Angioplastia coronária, colocação de Stents ou desvios cirúrgicos também podem ser realizados.

Complicações do IM dependem do tamanho e da localização da lesão, assim como das reservas funcionais do miocárdio:
  • Disfunção contrátil ocorre aproximadamente na proporção à extensão do infarto;
  • Arritmias;
  • Ruptura ventricular pode ocorrer dentro dos primeiros 10 dias.
  • Infartos adjacentes a um IM existente (extensão) pode ocorrer.

- Morte Súbita Cardíaca:

A morte súbita cardíaca (MSC) é definida como uma morte inesperada dentro de 1 hora após o início dos sintomas. A maioria dos casos que ocorrem estão relacionados com arritmias letais. Em pacientes que sobrevivem à MSC (ressuscitação cardíaca), cerca de 25% de fato desenvolvem um IM, indicando que é a própria arritmia que mata na maioria dos casos.

As arritmias são normalmente desencadeadas por cicatrização do sistema de condução, desarranjos eletrolíticos ou instabilidade elétrica resultante de isquemia. 

- Doença Cardíaca Hipertensiva:

A hipertrofia cardíaca, como vimos, é uma adaptação a pressões cronicamente elevadas. Com a sobrecarga contínua, o resultado pode ser disfunção, dilataçao, ICC ou MSC. O critério mínimo para diagnóstico de uma doença cardíaca hipertensiva é um histórico de evidências patológicas de hipertensão mais hipertrofia na ausência de outras lesões que induzam hipertrofia cardíaca (ex estenose da valva aórtica).

  • Hipertrofia de miócitos aumenta o conteúdo de proteínas contráteis. Contudo, o espessamento do miocárdio reduz a complacência do ventrículo esquerdo, prejudicando o preenchimento diastólico e aumentando a demanda por oxigênio. A hipertrofia também é geralmente acompanhada de fibrose intersticial que reduz a complacência.
  • Dependendo da severidade e da duração da hipertensão subjacente (e da adequação à terapia), os pacientes podem apresentar uma longevidade normal, desenvolver DCI como uma consequência dos efeitos potencializantes da hipertensão e da aterosclerose, sofrer complicações renais ou cerebrovasculares da hipertensão ou experimentar ICC progressiva ou até MSC.


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