terça-feira, 3 de setembro de 2019

Farmacocinética I

Boa noite pessoal,

Hoje vamos começar a falar sobre Farmacocinética.

A primeira aula está disponível no link:

Só para relembrar um ponto abordado na aula anterior:

- Fármacos não criam efeitos em nosso organismo, não existe mágica. Eles apenas modificam (no sentido de aumentar ou inibir) alguma função fisiológica já existente.

Sobre a interação do Fármaco com o organismo, podemos dividir em dois tipos, conforme a figura que se segue. O primeiro tipo de interação, é o que estudaremos hoje, a Farmacocinética, que consiste basicamente sobre as ações que o organismo (nosso corpo) exerce sobre o fármaco/droga. A segunda, a Farmacodinâmica, nos fala sobre a interação do fármaco com o nosso corpo, como ele age em nosso organismo:


Onde ADME são as iniciais dos quatros processos envolvidos na farmacocinética: Absorção, Distribuição, Metabolismo e Excreção do Fármaco.

- Farmacocinética:

De forma bem resumida, a farmacocinética explica o trânsito ou o caminho que o fármaco percorre em nosso organismo após ingerido ou aplicado.

Temos que ter em mente que logo após a entrada do fármaco em nosso organismo, este já começa a ser processado.

Então, a farmacocinética engloba os seguintes processos:


1) Absorção:

A absorção, primeira etapa dentre os processos da farmacocinética, está relacionada aos fármacos administrados por via oral, tópica e retal, intramuscular e subcutânea.

A absorção está diretamente relacionada a alguns fatores físico-químicos da molécula do fármaco e depende de um componente presente em todas as nossas células, a bicamada lipídica ou simplesmente membrana celular.


As características de um fármaco que podem influenciar na sua absorção são as seguintes:
  • Peso molecular e configuração;
  • Grau de ionização (moléculas não-ionizadas tendem a ser mais lipossolúveis);
  • Lipossolubilidade.
Para quem não lembra, a membrana celular é formado por uma bicamada lipídica, e seu principal componente são os fosfolipídeos. Como é formada, em sua maioria, por lipídios, substâncias que tenham uma maior afinidade com estas moléculas (lipossolúveis) tendem a passar mais facilmente pelas membranas.

Independente se a barreira a ser atravessada pelo fármaco é apenas uma camada de células (estômago) ou diversas camadas de células (como na pele), a membrana celular é o obstáculo comum à absorção dos fármacos.

Importante ressaltar aqui que, Absorção é diferente de via de administração!

Vias de administração incluem: Oral, parenteral (injeções), tópicas (pele, olho) e retal.
Cada uma das vias de administração possui vantagens e desvantagens.

Vamos focar nas duas mais utilizadas, a via de administração oral e a via de administração parenteral:
  • Primeira diferença: a via de administração oral depende da absorção, que ocorre no estômago e/ou no intestino, fator influenciado pelas características físico-químicas da molécula do fármaco e de características do organismo, como a acidez estomacal. Quando falamos da via parenteral intravenosa, por exemplo, não existe a fase de absorção, pois o fármaco cai diretamente na corrente sanguínea.
  • Segunda diferença: como é absorvida no trato gastrointestinal, o fármaco administrado por via oral passa por um primeiro metabolismo hepático, conhecido como Efeito de Primeira Passagem no Fígado, imprescindível nos estudos para desenvolvimento do fármaco e também a ser considerado na escolha dos esquema terapêutico do paciente. Praticamente tudo que é absorvido em nosso TGI passa pelo fígado antes de chegar à corrente sanguínea.
  • Terceira diferença: como passa pelo fígado, grande parte das moléculas do fármaco são quebradas e inativadas (metabolizadas), ou sofrem algum tipo de transformação. Então, para a maioria dos medicamentos, existe uma grande diferença entre a dose administrada e a quantidade do fármaco que chega até a circulação sanguínea. O que não ocorre na via intravenosa, uma vez que toda a dose aplicada chega à circulação sanguínea.
  • Quarta diferença: essa total disponibilidade do fármaco intravenoso é ao mesmo tempo uma coisa boa e uma coisa ruim, visto que um erro na dosagem torna impossível a retirada do fármaco, podendo causar graves problemas ao paciente. Fármacos administrados por via oral podem, em caso de intoxicação, ser em parte retirados por uma lavagem gástrica, por exemplo.
Existem outras diferenças, outras vantagens e desvantagens de cada via de administração, mais vamos considerar neste momento apenas as citadas acima, quando comparamos a via de administração oral com a intravenosa.

A figura abaixo mostra um pouco dessa diferença entre essas duas vias tão populares, em relação ao efeito de primeira passagem no fígado e à chegada do fármaco na corrente sanguínea:



2) Distribuição:

Distribuição do fármaco é a transferência do fármaco do seu local de administração/absorção para o seu local de ação, e a amplitude em que isso ocorre.

Para falarmos de distribuição, precisamos entender outro termo muito utilizado na farmacologia, a biodisponibilidade.

- Biodisponibilidade: porcentagem do fármaco que chega ao seu local de ação e consegue cumprir seu papel. Termo também utilizado para nutrientes e outras substâncias, referente à porcentagem da substância que o organismo consegue, de fato, utilizar.

Fatores que influenciam na distribuição de um fármaco:
  • Débito Cardíaco;
  • Fluxo Sanguíneo Regional;
  • Permeabilidade Capilar;
  • Volume Tecidual.
Esses quatro fatores influenciam diretamente a taxa de liberação e a quantidade dos fármacos nos tecidos.

Costuma-se distinguir duas fases da distribuição:
  1. A primeira fase de distribuição ocorre nos órgãos mais irrigados do corpo, como fígado, rins, cérebro e pulmões.
  2. A segunda fase, mais lenta, ocorre nos órgãos e tecidos menos irrigados, como os músculos, tecidos adiposo, pele e a maioria das vísceras.
A figura abaixo representa bem esse mecanismo de distribuição:

Com os fatores citados lá em cima, que influenciam na distribuição e considerando as duas etapas desta distribuição, fica mais fácil de entender o porque tratar uma micose na unha ou nos cabelos com medicamentos orais demora 6 meses ou até mais de um ano. O fármaco demora muito para chegar nestes locais e ainda chega em pequenas quantidades, o que dificulta o tratamento.

Além dos fatores citados, um outro fator é talvez o mais importante para a distribuição do fármaco do sangue para os tecidos: a ligação a proteínas plasmáticas.

Alguns fármacos circulam na corrente sanguínea ligados a proteínas plasmáticas, e duas das mais conhecidas são:
  1. Albumina: que liga fármacos ácidos;
  2. Glicoproteína alfa 1: que liga fármacos básicos.

A ligação do fármaco a proteínas plasmáticas é um processo saturável e facilmente reversível, visto que quem cumpre a função é sempre o fármaco livre, e, a quantidade de fármaco dentro e fora das células (ou livres e ligados às células cumprindo sua função) é o que determina a porcentagem do fármaco que vai permanecer ligado às proteínas ou vai se soltar e chegar aos tecidos.

Assim, a ligação do fármaco às proteínas plasmáticas limita sua concentração nos tecidos e em seus locais de ação. Uma vez que apenas a fração livre do fármaco vai exercer sua função.

É importante considerar também que alguns fármacos se ligam e ficam armazenados em alguns tecidos, como o tecido adiposo e nos ossos. O que precisa ser levado em consideração em um esquema terapêutico, para evitar o excesso de fármaco ou a falta do mesmo, podendo assim cumprir suas funções sem causar grandes efeitos adversos, uma vez que os reservatórios costumam prolongar a ação de um fármaco.

- Redistribuição:

Para fecharmos essa primeira parte da aula de Farmacocinética, precisamos falar do processo de redistribuição. A redistribuição é a saída do fármaco do seu local de ação para outros tecidos, parte da cessação dos efeitos farmacológicos se devem a esse processo.

Importante considerar que este processo também ocorre em outras direções, como via leite materno e a distribuição materno-fetal via cordão umbilical.

Para exemplificar a redistribuição materno-fetal e sua importância, sempre relembro o caso do medicamento conhecido como Talidomida, liberado no Brasil na década de 50 para tratar enjoo de grávidas. Como era vendido sem qualquer restrição e realmente tirava o enjoo, muitas mulheres tomaram constantemente, e alguns meses depois, quando os filhos começaram a nascer, notou-se um efeito catastrófico. Esse fármaco causava graves deformações no corpo das crianças, era uma droga teratogênica. O grande problema aqui é que os enjoos ocorrem no primeiro trimestre de gravidez, período de grande fragilidade no desenvolvimento, e também, o que foi constatado apenas depois do problema, que apenas uma dose do fármaco já era suficiente para causar as mutações.

Para quem tiver interesse, recomendo a leitura do site apresentado na figura abaixo:



Bons estudos pessoal, 
qualquer dúvida deixem nos comentários ou me encaminhem um e-mail.

Nenhum comentário:

Postar um comentário