Boa tarde pessoal,
tudo bem com vocês?
Continuando nosso curso de Fisiologia Humana, hoje vamos aprender sobre os tipos de transporte que acontecem através da membrana celular. Ou seja, naquela linguagem mais digerível, como as moléculas necessárias à vida da célula chegam ao seu interior?
E calma, não se esqueçam que muitas moléculas também saem da célula, então esses transportes acontecem tanto do LEC para o LIC quanto do LIC para o LEC.
Quando discutimos a estrutura da membrana celular, falei para vocês que as proteínas integrais, aquelas que atravessam a membrana e têm contato com o LIC e com o LEC, são muitas vezes carreadoras, ou seja, que "carregam" íons e outras substâncias para dentro ou para fora da célula.
Elas podem ser de dois tipos: aquelas que formam literalmente um canal (um poro) e as que são chamadas transportadoras, que se ligam às moléculas e sofrem alterações conformacionais (de forma), para conseguir mover a substância de um lado da membrana para o outro.
Existem dois tipos principais de transporte através da membrana: a Difusão e o Transporte Ativo.
- Difusão: baseada no movimento molecular aleatório das substâncias (resultado do movimento das moléculas), derivado de sua energia cinética. Carrega substâncias de um lado para o outro da membrana, diretamente no espaço entre os fosfolipídios (simples) ou com ajuda de proteínas carreadoras (facilitado), sem gasto de energia. Ocorre do meio MAIS para o meio MENOS concentrado (do local onde tem mais moléculas do soluto para o local onde tem menos moléculas do soluto).
- Transporte Ativo: movimento de íons ou outras substâncias, através da membrana celular, sempre ligado a proteínas carreadoras. Aqui, a proteína faz com que a substância se mova contra seu gradiente de concentração, ou seja, do meio MENOS para o MAIS concentrado. Para fazer isso, necessita de energia, que é advinda da Adenosina trifosfato (ATP).
Antes de vocês já começarem a surtar com essa breve introdução, eu deixei um slide resumo para vocês lá no final dessa matéria, está em formato de esquema de flechas e vai ajudar bastante com o estudo.
Mas, antes, vamos tentar entender da maneira clássica, através de texto e figuras.
Começamos pelo tipo mais simples do transporte através da Membrana, a famosa Difusão.
- Difusão:
Para entendermos o significado de Difusão, basta lembrarmos de um conceito universal da física, o calor. Na física, calor define o movimento aleatório das moléculas, que nunca param de se movimentar, a não ser que expostas ao zero absoluto.
Voltando para a fisiologia, todas as moléculas e íons do corpo, inclusive as moléculas de água e as substâncias dissolvidas nos líquidos corporais, estão em constante movimento (lembra que conversamos sobre o dinamismo da homeostase?).
Esse movimento contínuo das moléculas, que se chocam continuamente uma contra as outras nos líquidos corporais é o que chamamos de Movimento Aleatório de partículas. Representada na figura abaixo:
Figura: Tratado de Fisiologia Médica - Guyton
Esse movimento aleatório gera a força necessária para que ocorra a difusão das substâncias, o que chamamos na Fisiologia de Gradiente de Concentração.
Existem dois tipos de difusão mais conhecidos: A difusão simples e a difusão facilitada.
1.Difusão simples: movimento cinético das moléculas ou íons ocorre através da membrana (substâncias lipossolúveis - passam pelos interstícios) sem o contato com proteínas carreadoras. A intensidade desse tipo de difusão é determinado pela quantidade (concentração) da substância que vai ser transportada e pela velocidade do movimento cinético delas. Sempre do meio MAIS para o MENOS concentrado.
Fonte: https://pt.slideshare.net/candelacontent/cell-membrane-and-membrane-transport-
A difusão facilitada, como qualquer outro tipo de transporte que depende de proteínas carreadoras, está sujeito a três regras básicas: Saturação (existe um número x de proteínas, que quando ocupadas, não vão conseguir transportar mais moléculas, independente da quantidade dessas moléculas), Estereoespecificidade (essas proteínas carreadoras são extremamente seletivas, normalmente carreando uma ou poucas substâsncias) e Competição (se aceitar o transporte de mais de uma substância, elas podem competir entre si para passar).
Por isso, quando falamos sobre velocidade de difusão, a difusão facilitada é mais eficiente que a simples quando a concentração da substância transportada não for muito grande. Quando a concentração da substância sobe, ela vai ficando mais lenta que a difusão facilitada, visto que as proteínas ficam saturadas (todas ocupadas), enquanto a difusão facilitada não sofre com esse problema, podendo atravessar a membrana mais facilmente.
Fonte: Tratado de Fisiologia Médica - Guyton
Reparem na figura que até determinada concentração da substância, a difusão facilitada é mais eficiente (mais rápida). Porém, conforme as proteínas carreadoras vão saturando (pense o seguinte, se existem 10 proteínas carreadoras, apenas 10 moléculas de determinada substância podem ser transportadas por vez, independente se existem 10 ou 1 milhão de moléculas esperando o transporte), a velocidade começa a diminuir. E por que isso não acontece na Difusão Simples? Porque na simples as substâncias passam através do espaço entre os fosfolipídios, o que torna sua capacidade de transporte teoricamente infinita (o que não é verdade, mas o exemplo serve para vocês entenderem o porque no gráfico).
Agora, um gifizinho para vocês visualizarem as semelhanças e as diferenças entre os dois tipos de Difusão:
Os poros são as proteínas integrais da membrana celular, que formam tubos abertos através da membrana. Apesar de sempre abertos, o diâmetro do poro e sua carga elétrica fornecem seletividade, permitindo a passagem de somente algumas moléculas.
Para se ter ideia, as aquaporinas, que transportam moléculas de água, possuem um poro tão estreito que as moléculas de água passam em fila única.
Assim, as proteínas carreadoras são altamente seletivas para o transporte de uma ou mais substâncias específicas.
Porém, algumas proteínas canais não estão sempre abertas, e nos casos onde isso acontece é devido ao surgimento de comportas. Imaginem uma portinha tampado o canal, mesmo que a substância que é transportada esteja ali, esperando, ela só consegue passar de um lado para o outro quando essas comportas se abrem (igual um de nós tentando entrar em um cômodo da casa).
- Comportas das proteínas canais: alguns canais possuem comportas, chamadas de comportas das proteínas canais, que ajudam no controle da permeabilidade iônica desses canais.
Essas comportas costumam ser prolongamentos da própria proteína, os quais deixam o canal fechado, se abrindo apenas quando ocorrem alterações na forma da proteína (conformações).
A abertura e fechamento desses canais podem ser controlados por dois mecanismos:
- Por variações de voltagem: conhecidos como canais dependentes de voltagem. A conformação do canal proteico reage ao potencial elétrico através da membrana. Como exemplo, os canais de sódio permanecem fechado quando o interior da membrana está negativo (normalmente), se o lado interno perder carga negativa, o canal de sódio abre sua comporta e o sódio consegue entrar na célula. Essa é a base do potencial de ação nos neurônios, que estudaremos mais a frente no curso.
- Por ligantes químicos: conhecidos como canais dependentes de ligantes. Ao se ligar ao canal, a substância química gera uma alteração na forma do canal, permitindo sua abertura e a passagem de íons ou moléculas. Um exemplo clássico, que também estudaremos mais adiante, são os canais que dependem da ligação da Acetilcolina. Quando a acetilcolina se liga ao canal, abre suas comportas e permite a passagem de moléculas sem carga ou de íons menores que seu diâmetro.
A primeira figura mostra um tipo de canal cujas comportas são controladas por ligantes, no caso do exemplo o ligante é um Neurotransmissor. Ou seja, esse canal permanece fechado, abrindo-se apenas quando um neurotransmissor específico se liga a ele e altera sua conformação. Um outro exemplo comum que usa esse tipo de canal é o transporte de glicose, através dos receptores como o GLUT4. O GLUT4 permanece fechado, ou quase, deixando entrar na célula pouquíssimas moléculas de glicose, o que é insuficiente para uma célula como as musculares, que precisam de muita energia. Para isso serve a famosa Insulina, que funciona como uma chavinha que abre o receptor, permitindo a entrada de grandes quantidades de glicose (cerca de 20 vezes maior com a insulina).
A segunda figura mostra, de uma forma mais simplificada, um canal que se abre pelas alterações na voltagem (canal dependente de voltagem) e também um canal que se abre na presença dos ligantes (chaves), os canais dependentes de ligantes.
- Osmose:
De longe, a substância mais abundante que se difunde através da membrana celular é a água. Faz sentido né? Lembra o que já estudamos sobre a composição do LIC e do LEC, em suas grandes maiorias, água.
Normalmente, em equilíbrio, a quantidade de água que se difunde para dentro e para fora da célula é tão precisamente balanceada que o movimento efetivo de água é zero, o que permite à célula permanecer em um volume constante.
Porém, caso ocorra alguma alteração de concentração de água entre os dois lados da membrana, começa acontecer o movimento efetivo de água.
Observem os dois exemplos abaixo e depois prestem atenção na discussão do texto:
Fonte: Tratado de Fisiologia Médica - Guyton
Observem tanto na figura quanto no GIF que se existe mais moléculas de um soluto de um lado, significa que esse lado terá uma menor concentração de moléculas de água. Logo, as moléculas de água tendem a se mover do lado mais concentrado para o lado menos concentrado, igual o que vimos na Difusão.
Ok Bruno, mas então difusão e osmose é a mesma coisa? NÃO!
Na difusão, tanto na simples quanto na facilitada, estávamos falando de solutos (sódio, potássio, glicose, oxigênio...), agora, na Osmose, estamos falando do transporte de água! Esse conceito vocês não podem confundir, tem cara de pegadinha em prova, não tem?
- Pressão Osmótica: se aplicarmos uma pressão contraria à osmose, o processo de osmose da água pode diminuir, cessar ou inverter. A quantidade exata de pressão necessária para interromper a osmose é o que conhecemos como pressão osmótica.
A pressão osmótica exercida pelas partículas em solução, sejam elas moléculas ou íons, é determinada pelo número de partículas por unidade de volume de líquido, e não pela massa das partículas. A razão para isso é que cada partícula em solução, independente da sua massa, exerce em média a mesma quantidade de pressão contra a membrana (movimento aleatório).
- Osmolalidade: conhecido como osmol, expressa a concentração da solução em termos do número de partículas. Um osmol é o peso de uma molécula grama de soluto osmoticamente ativo.
- Osmolaridade: é a concentração osmolar expressa em osmóis por litro de solução, ao invés de osmóis por kg de água.
Beleza, falamos sobre o transporte de solutos e também sobre o transporte de água, mas em ambos os casos não existia o gasto de energia. Por que? Porque o transporte é de acordo com o gradiente de concentração dessas moléculas, ou seja, do meio mais concentrado para o meio menos concentrado, o que não precisa de energia para acontecer.
Transporte Ativo de Substâncias através da Membrana Celular:
Algumas vezes, é necessária grande concentração de um íon dentro da célula, embora ele esteja em pequena quantidade no LEC (fora da célula) - por exemplo, o potássio. De forma contrária, é necessário manter baixa a concentração de outros íons dentro da célula, mesmo que o LEC possua uma grande concentração dele - exemplo o sódio.
Nesses dois casos, existe a necessidade de um transporte contra o gradiente de concentração da substância, ou seja, do meio MENOS concentrado para o MAIS concentrado, o que exige gasto de energia (difusão não funciona nesses casos).
Por isso, por utilizarem o ATP (adenosina trifosfato) como fonte de energia, esse tipo de transporte recebe o nome de Transporte Ativo.
Existem dois tipos:
- Transporte Ativo Primário: a energia para esse transporte é derivada diretamente da degradação do ATP;
- Transporte Ativo Secundário: utiliza energia derivada da diferença de concentração de íons criada pelo transporte ativo primário. Assim, utiliza indiretamente (ou secundariamente) a energia do ATP.
Em ambos os casos, há a presença de proteínas carreadoras.
- Transporte Ativo Primário:
O exemplo mais comum, por ser o mecanismo primário mais estudado, é a conhecida Bomba de Sódio e Potássio (NA+-K+), que bombeia três moléculas de sódio para fora da célula e duas moléculas de potássio para dentro da célula, ao mesmo tempo.
Essa bomba é a responsável pela manutenção das diferenças de concentração entre sódio e potássio através da membrana celular, bem como pelo estabelecimento da voltagem elétrica negativa dentro da célula.
Notem que gerar a voltagem elétrica negativa dentro da célula é devido ao fato de ser um processo eletrogênico, pois tira da célula três moléculas de sódio e trás para a célula apenas duas de potássio. Assim, a cada ciclo da bomba, o interior celular fica mais negativo. Mas isso não acontece desordenadamente, e sabe o motivo? O interior da célula já possui mais potássio do que o exterior, assim, o fluxo gerado pela bomba de sódio e potássio aumenta a difusão de moléculas de potássio para fora da célula, garantindo uma certa "estabilidade" nesse se tornar negativo.
Fonte: Tratado de Fisiologia Médica - Guyton
Como mostrado na figura acima, quando três moléculas de sódio se ligam na parte de dentro da proteína carreadora (bomba) e duas moléculas de potássio se ligam na porção exterior da proteína, ocorre ativação de suas enzimas ATPases que quebram o ATP em ADP, liberando um de seus fosfatos altamente energéticos. A energia permite a mudança de conformação da proteína e assim ela consegue enviar para fora da célula as três moléculas de sódio e para dentro da célula as duas moléculas de potássio.
As bombas de sódio e potássio são as grandes responsáveis por manter o controle do volume celular. Sem ela, com a grande entrada de sódio e outras moléculas positivas no interior negativo das células (o que aumentaria a concentração e geraria osmose para dentro da célula), as células inchariam constantemente devido à entrada de água e acabariam por explodir.
Gosto bastante desse GIF para ajudar a entender o processo da bomba de sódio e potássio:
- Transporte Ativo Secundário:
Quando o sódio é transportado para fora da célula pela bomba de sódio e potássio, cria-se um gradiente de concentração dos íons sódio, através da membrana celular (concentração alta fora da membrana e baixa dentro). Esse gradiente representa um reservatório de energia porque o excesso de sódio do lado de fora está sempre tentando entrar na célula. Quando consegue, gera uma energia de difusão que pode gerar, junto ao sódio, o transporte de outras substâncias.
Quando esse movimento ocorre para dentro da célula, ou seja, a substância (exemplo a glicose) entra na célula junto ao sódio, chamamos esse processo de Cotransporte ou Simporte. Quando a substância sai da célula com a entrada do sódio (movimento contrário - um exemplo é o cálcio), chamamos de Contratransporte ou Antiporte.
Notem que utilizei o sódio como exemplo pois falamos bastante da bomba de sódio e potássio no transporte ativo primário, onde há gasto direto de energia. Mas existem diversos outros exemplos de moléculas que acabam gerando um gradiente para entrada ou saída de outras moléculas. O importante aqui é vocês entenderem que o ATP utilizado no transporte de uma molécula gera energia também para um transporte de uma segunda molécula.
Figura resumo, como prometido lá em cima:
É isso pessoal, sei que é um conteúdo denso, mas espero que essa matéria possa ajudar no entendimento e na construção desse saber fisiológico ai no cérebro de vocês.
Contem comigo e bons estudos!
Obrigada pelo material, professor
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