terça-feira, 3 de novembro de 2020

Resistência Bacteriana

Bom dia pessoal,

fechando o conteúdo de antibacterianos, precisamos falar um pouco sobre resistência bacteriana. Um dos graves problemas de saúde atualmente.

Primeiro, para quem ainda não leu a matéria/aula de antibacterianos, segue o link:



A resistência bacteriana é um assunto de extrema urgência, pois para os cientistas mais pessimistas, a partir de 2050 nossos antibacterianos não serão mais eficazes. Para quem não consegue entender a gravidade disso, se realmente acontecer, voltaremos à era antes dos antibacterianos, onde até as infecções mais simples podem levar à morte, e, consequentemente, nossa expectativa de vida se reduzirá consideravelmente.

Para começarmos a tomar dimensão do problema, observem a tabela abaixo. A tabela mostra o ano da descoberta ou fabricação do antibacteriano e, na segunda coluna, o ano em que apareceram bactérias resistentes a este fármaco:



Mas afinal, o que é resistência bacteriana?

É a capacidade de uma bactéria sobreviver ou continuar crescendo na presença de um antibacteriano anteriormente utilizado e eficaz em seu tratamento.
Ou seja, a bactéria encontra mecanismos para não ser mais afetada pelo antibacteriano em questão, e aqui começa um grave problema.

Mas como essas bactérias adquirem ou desenvolvem esses mecanismos de resistência?

Primeiro, temos que pensar que para produzir algo novo, como uma enzima, ou impedir a entrada de um antibacteriano, a bactéria precisa ou sofrer mutações genéticas ou adquirir de outra bactéria um gene de resistência.

Observem a excelente figura abaixo, que mostra, em três etapas distintas, os mecanismos de ação dos antibacterianos (porção inferior), o mecanismo de aquisição de genes de resistência (porção esquerda) e os mecanismos de resistência aos antibacterianos (porção direita da figura):



Primeiro, falaremos dos mecanismos de aquisição:

Aquisição de genes de resistência:

São quatro os mecanismos a serem abordados neste tópico, mas o primeiro deles, é o mais comum, que são as mutações genéticas. 

Mutações ocorrem ao acaso, durante a replicação do material genético, e podem ser benéficas ou não. Quando benéficas, costumam ser propagadas pelas gerações seguintes.

O mesmo acontece quando uma bactéria sofre uma mutação que gera um tipo de resistência a um antibacteriano. Ela começa a se proliferar e todas as células advindas dela terão o mesmo gene, se tornando resistente a este fármaco.

O segundo tipo é conhecido como Conjugação, onde ocorre a transferência do gene resistente, em forma de plasmídeo (material genético circular), de uma bactéria para outra. 

Dessa forma, as bactérias resistentes conseguem tornar outras bactérias resistentes a determinado antibacteriano. Como se uma bactéria resistente buscasse montar seu próprio exército.


O terceiro tipo é a Transdução, onde a transferência do material genético é feita por um vírus, conhecido como bacteriófago, como mostra a figura:



O quarto e último mecanismo pelo qual as bactérias adquirem genes de resistência é a Transformação, que consiste na transferência de parte do material genético de uma bactéria resistente morta para uma bactéria viva não resistente.


Dois exemplos de transferência de genes de resistência, resumidos em um slide feito por mim:

Ok, agora a bactéria já adquiriu um gene de resistência, e o que acontece depois?

Depois de adquirir um gene de resistência, independente de qual dos quatro mecanismos possíveis foi o responsável, a bactéria começa a gerar mecanismos para degradar, expulsar ou mesmo impedir a entrada ou ação do antibacteriano.

Observem a figura abaixo, ela contém um resumo desses mecanismos utilizados pelas bactérias para se proteger dos antibióticos:



Mecanismos de Resistência:

Um dos mecanismos mais conhecidos e estudados é a formação de bombas de efluxo. 

Um mecanismo bem simples de se entender, onde a bactéria desenvolve proteínas de membrana que expulsam o fármaco de dentro da célula, não permitindo que ele cumpra sua função. Podemos observar isso acontecendo na figura abaixo:




Outro mecanismo bem conhecido é a formação de Biofilmes, ou seja, sozinha ou em colônias, as bactérias desenvolvem uma película que dificulta ou até mesmo inibe completamente a entrada do fármaco na célula bacteriana. 

Estes biofilmes também podem sofrer mutações e ficar mais fortes, pois as bactérias trocam o gene responsável por este mecanismo:


O terceiro mecanismo é um dos mais conhecidos, principalmente porque é o mecanismo de resistência ao primeiro antibacteriano descoberto, a penicilina. 

Neste mecanismo, o gene de resistência permite que as bactérias fabriquem enzimas que vão degradar ou modificar a molécula do fármaco, e, em ambos os casos, o fármaco fica inativo e não cumpre sua função.

O exemplo que citei, da resistência à penicilina, é através da enzima conhecida como beta-lactamase, representado na figura abaixo, onde destaquei em vermelho a enzima em questão:


Nos dois casos apresentados na figura acima, tanto em bactérias gram positivas quanto em bactérias gram negativas, a presença da enzima quebra as moléculas de penicilina ou outros beta-lactâmicos, inibindo sua função bactericida.

Uma forma muito eficaz encontrada por pesquisadores para burlar as enzimas beta-lactamases é o uso, junto à amoxicilina ou a penicilina, do clavulanato ou ácido clavulônico. 

Esta substância, sem efeito farmacológico, chega à bactéria junto ao fármaco e serve de substrato para as enzimas beta-lactamases, permitindo que o fármaco real cumpra sua função bactericida. Ou seja, ela engana o mecanismo de resistência da bactéria.

O quarto e último mecanismo abordado hoje é a modificação do alvo dos fármacos antibacterianos. 

Consiste em uma alteração do receptor do fármaco, e, como já estudamos lá nas aulas de Farmacodinâmica, sem conseguir se ligar da forma adequada ao seu receptor, um fármaco não cumpre seu papel.

Uma bactéria bem conhecida que tem uma alta capacidade de gerar resistência aos antibacterianos utilizados no seu tratamento é a micobactéria leprae, causadora da Hanseníase. 
Tamanha é sua capacidade de resistir aos antibacterianos que o tratamento é realizado em um esquema com mais de uma ou duas drogas, para evitar o aparecimento da resistência. Além disso, são tão resistentes que normalmente o tratamento dura entre 6 meses e 1 ano.

O problema disso tudo? Que nosso arsenal de guerra contra infecções bacterianas diminui a cada ano, com muitos dos fármacos se tornando inúteis contra algumas bactérias. Para cientistas mais pessimistas quanto ao assunto, a partir de 2050 voltaremos à era pré-antibiótico, onde infecções bacterianas banais podem facilmente levar à morte.

Mas quais as estimativas quando falamos sobre superbactérias?


Vou deixar alguns links interessantes sobre o assunto, mas recomendo a leitura da matéria do El País, cuja imagem encontra-se abaixo:



Esta excelente matéria faz uma analogia entre a quantidade de antibacterianos utilizada em um país e o número de superbactérias existentes neste país. 
E mostra o óbvio, quanto mais indiscriminado o uso destes medicamentos, maior o número de bactérias resistentes.

Sabe como colaboramos com o surgimento de bactérias resistentes, interrompendo o esquema terapêutico quando a garganta para de doer, mesmo que seja no segundo ou terceiro dia dos 7 recomendados de tratamento ("opa, melhorou, posso parar o medicamento" - Não, não pode), o hábito da automedicação também colabora para o surgimento de bactérias mais resistentes, um grave problema aqui no Brasil. 
Temos ainda o problema do excesso de prescrição de antibacterianos por médicos. Gente, é importante ressaltar que antibacterianos tratam única e exclusivamente infecções bacterianas, sendo totalmente ineficaz no tratamento de qualquer outro tipo de afecção, sendo um ótimo exemplo a gripe, causada por vírus.

Mas hoje, o grande gerador de bactérias super resistentes é a agropecuária. O uso de antibacterianos é indiscriminado em gado, aves e demais criações, visando impedir qualquer tipo de infecção nos rebanhos e afins. 

Para chocar vocês da mesma maneira como eu fiquei chocado com esta informação, na Espanha, cada quilograma de carne produzida tem em média 419 mg de antibacteriano. Ou seja, cada quilo de carne espanhola tem quase 500 mg de antibacteriano, isso é um absurdo. Atrelado a isso, temos o fato de que os produtores costumam utilizar antibacterianos muito potentes e de largo espectro, o que favorece ainda mais o surgimento de superbactérias resistentes aos medicamentos mais potentes que temos hoje em dia.

O grande problema quando falamos do surgimento de superbactérias é o fato de que demora-se, até mesmo mais de uma década, para surgir um novo antibacteriano. E como vimos no quadro lá no começo da matéria, rapidamente as bactérias estão se tornando resistentes a essas novas moléculas.

Pessoal, cuidado com a automedicação e não parem de tomar um antibacteriano apenas porque os sintomas melhoraram, cumpram o esquema terapêutico proposto pelo seu médico, mas também tenham conhecimento suficiente para questionar o médico sobre a real necessidade do uso desta classe de medicamentos. 

O uso consciente dos antibacterianos é a melhor forma de evitar o surgimento de novas superbactérias.

Alguns links que recomendo a leitura sobre o assunto:






Aqui encerramos o assunto antibacterianos, espero que tenham gostado.
Bons estudos!

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