Boa tarde pessoal,
Hoje finalizamos o assunto Eritropoese, dando continuidade aos nossos estudos em Hematologia Clínica.
Para quem ainda não leu a primeira parte, recomendo que o faça antes de prosseguir:
http://plantandociencia.blogspot.com/2020/09/eritropoese.html
Agora precisamos conhecer melhor a Eritropoietina, o hormônio produzido principalmente pelos nossos rins (cerca de 90%) e que comanda o processo de formação de novos eritrócitos lá na medula óssea.
Na primeira parte da aula usamos a figura do livro Fundamentos em Hematologia para representar esse processo de formação de novas hemácias:
Antes de falar do hormônio, precisamos deixar claro um ponto. A Eritropoese depende da eritropoietina, mas não só dela. Fatores nutricionais como Ferro, folato (ácido fólico - vitamina B9) e vitamina B12. Além destes, a testosterona tem um importante papel também, visto que possui a capacidade de potencializar os efeitos da EPO.
- Eritropoietina:
A eritropoietina é o hormônio regulador da Eritropoese, a formação de novas hemácias ou eritrócitos pela medula óssea (MO). É produzida cerca de 90% pelos rins e os 10% restantes pelo fígado e um fato curioso é que, não existe em estoque. Ou seja, o hormônio é produzido apenas quando há a necessidade de se produzir novos glóbulos vermelhos, quando o rim detecta diminuições na quantidade de O2 (tensão de O2).
Observem a figura abaixo, que mostra os níveis de EPO em uma pessoa normal e em algumas outras condições, como a Anemia e a Insuficiência renal. Notem os detalhes, o eixo Y com a concentração de EPO e o eixo X com a concentração de hemoglobinas - correlacionem com as doenças (ou seja, porque os níveis de EPO estão baixos mesmo quando os níveis de hemoglobina estão baixos? Ou então, porque os níveis de EPO estão altos na Anemia?):
Mas Bruno, e no caso de um problema renal, como na figura anterior? No caso de um problema renal, a produção de eritropoietina pode estar baixa mesmo com níveis baixos de hemoglobina, pois aqui a principal fonte do hormônio está debilitada, o que afeta diretamente a sua produção. Mesmo que os estímulos existam.
A eritropoietina, ao chegar na medula óssea, estimula a eritropoese por aumentar o número de células progenitoras "comprometidas" em se tornar novas hemácias. Lembrem da aula anterior, a EPO tem receptores a partir das BFU tardias.
E quando é indicado o uso de EPO?
A resposta desta pergunta podemos observar na tabela abaixo:
Mas, como no caso dos esteroides, nem só de uso médico vive um hormônio. A EPO pode ser utilizada para aumentar a resistência de atletas em provas de longa distância, como o famoso caso do ciclista americano Lance Armstrong, que ganhou importantes provas do ciclismo mundial com uma mistura de EPO e testosterona sintética correndo em suas veias.
Faz sentido para você usar EPO para provas de longa duração? Imagem só: mais EPO, mais hemácias, mais hemoglobina, mais oxigênio sendo carreado para todas as células do corpo (em especial, neste caso, para as células musculares). O resultado? Mais energia, por mais tempo. Nossas células usam o oxigênio para produzir ATP nas mitocôndrias, processo conhecido como respiração celular.
O uso de EPO tem alguns efeitos colaterais consideráveis, como aumento do risco de trombose e da pressão arterial. Além disso, já apareceu em alguns artigos científicos a possibilidade de EPO ajudar no crescimento de tumores já existentes (faz sentido se pensarmos que provavelmente estes receberiam mais oxigênio para crescer).
- Hemoglobina (Hb):
A principal função dos nossos eritrócitos é levar o oxigênio para os tecidos e "pegar" o dióxido de carbono para liberar nos pulmões durante a expiração.
Mas quem realmente cumpre esse papel é uma proteína conhecida como Hemoglobina. Existem três tipos principais de hemoglobina: Hemoglobina A (HbA), representando cerca de 98% da hemoglobina em adultos. HbA2 cerca de 1,5% e a HbF, a hemoglobina fetal, que apesar de pequenas quantidades no adulto, representa quase toda a hemoglobina em recém-nascidos.
A figura abaixo apresenta a estrutura básica de uma hemoglobina:
Notem que existem duas cadeias alfa e duas cadeias beta, e que cada uma dessas cadeias carrega em seu interior um grupo heme, com íon ferro no estado ferroso, que dá a cor característica da hemoglobina e ainda liga o oxigênio no transporte do mesmo.
Cada eritrócito contém aproximadamente 640 milhões de moléculas de hemoglobina.
A síntese da hemoglobina e do grupo heme ocorre como apresentado na figura abaixo, dentro de um eritrócito em desenvolvimento. Ao final de uma cascata de reações, a protoporfirina se combina com o ferro no estado ferroso (Fe2+) para formar o heme. Cada molécula de heme então combina-se com uma cadeia de globina, em seguida forma-se um tetrâmero de cadeias de globina (duas alfa e duas beta), cada qual com seu grupo heme, montando assim uma molécula completa de hemoglobina.
Observem a figura:
Quando há uma diminuição dessa afinidade, a curva se desloca para a direita, aumentando a P50 e também aumentando a velocidade com que a hemoglobina libera o O2 para os tecidos. Tudo isso pode estar alterado em algumas doenças, como as anemias, sendo crucial para entender alguns sintomas das mesmas.
Mas, para garantir que essa troca gasosa aconteça de forma eficiente e em todos os confins do nosso organismo, o eritrócito é um disco bicôncavo, altamente flexível e com uma grande capacidade de gerar energia (ATP) pela via glicolítica anaeróbia (ou seja, quebrar a glicose sem usar oxigênio e transformar em ATP, para ser usado pela célula).
A flexibilidade da célula é testada quando a mesma (com cerca de oito micrômetros de diâmetro) precisa passar por vasos tão estreitos (cerca de 3,5 de micrômetros de diâmetro).
A hemácia usa duas vias principais de metabolismo, a via Embden-Meyerhof, pela qual produz duas moléculas de ATP para cada molécula de glicose quebrada, além do NADH, necessário para o bom funcionamento das enzimas metemoglobina-redutase, que transformam o íon férrico (hemoglobina "morta") de volta ao estado ferroso (Fe2+), garantindo uma hemoglobina funcional). Essa via tem um braço conhecido como Luebering-Rapoport, pela qual produz o 2,3-DPG, relacionado à afinidade da hemoglobina pelo oxigênio.
Outra via bem estudada é a Via da hexose-monofosfato (pentose fosfato), que além de ATP gera NADPH, importante enzima antioxidante que colabora para a manutenção das características do eritrócito e da sua membrana.
Aliás, a membrana dos eritrócitos são bicamadas lipídicas com um suporte, conhecido como esqueleto (possui actina dentre outras proteínas), importante para manutenção do formato bicôncavo da célula e por sua flexibilidade e resistência.
Para finalizarmos, uma curiosidade.
Uma hemácia, ao longo de seus 120 dias usuais de vida, percorre um trajeto médio dentro de nosso corpo de cerca de 480km.
Bons estudos pessoal.
As duas próximas matérias são sobre anemia e sobre o hemograma.
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