Memória
Interoceptiva
A
memória
interoceptiva
refere-se à capacidade de
se formar memórias
sobre
informações
relacionadas às sensações internas do corpo,
tais como batimentos cardíacos, ritmos respiratórios, fome,
saciedade, temperatura corporal, dor e desconforto físico, por
exemplo.
Está
intimamente relacionada à interocepção,
que é o processamento contínuo dos sinais fisiológicos internos
para manutenção da homeostase.
Esse
tipo de memória tem uma base adaptativa muito interessante, como,
por exemplo, permitir que o organismo aprenda a reconhecer estados
internos e associá-los a contextos externos, assim, guiando nossos
comportamentos. Um exemplo extremamente simples: beber água quando
estamos com sede, e um outro exemplo, um pouco mais complexo, evitar
situações que antes geraram um mal estar físico, como um lugar,
uma pessoa… É sensacional!
Está
diretamente relacionada às sensações corporais apresentadas durante episódios
com grande carga emocional, ou seja, aquelas experiências que nos
fazem sentir muita coisa, sejam elas coisas boas ou ruins.
Deixa
eu colocar de outra forma, para esquentar ainda mais nossa discussão
e fazer vocês refletirem sobre os impactos desse tipo de memória. A
memória interoceptiva apresentas algumas características
principais, expostas em três tópicos abaixo:
Aprendizagem
corporal:
liga sinais viscerais a emoções e contextos, criando “mapas”
do que o corpo sentiu em certas situações – já
leu algum material do Damásio? Se sim, provavelmente viu a teoria
dos marcadores somáticos.
Reconsolidação:
essas memórias podem ser reforçadas ou atualizadas quando
estímulos semelhantes reaparecem.
Valência
emocional forte:
geralmente associada a emoções intensas, como medo ou prazer, o
que aumenta sua durabilidade. Se
unirmos a valência com a reconsolidação, será que esse tipo de
memória não está associada à construção de vícios?
Mas
e no dia a dia, onde podemos ver esse tipo de memória tão
diferentona do que pensamos quando falamos em memória?
Decisões
automáticas:
escolher alimentos, regular o ritmo de atividades ou evitar
ambientes quentes são influenciados por memórias de como o corpo
reagiu antes, ou
seja, boa parte das nossas escolhas diárias, até as mais banais,
são influenciadas e até mesmo, em alguns casos, decididas pelas
nossas memórias interoceptivas.
Regulação
emocional:
reconhecer que a aceleração cardíaca pode ser apenas excitação,
e não ameaça, depende de memória interoceptiva bem calibrada.
Aqui,
a consciência corporal vai influenciar bastante, pois, quanto mais
você conhecer e entender sobre o funcionamento do seu corpo, mais
vai conseguir entender sobre o significado das alterações
fisiológicas em determinadas situações.
Para
discutir esse ponto da regulação emocional, cabe um exemplo que já
tinha ouvido em relato de pessoas que sofrem com o transtorno, mas
estudando esse tipo de memória se tornou mais claro para mim sobre o
que realmente acontece. A síndrome do pânico judia muito de quem
sofre com ela, seja psicologicamente, seja fisicamente. No começo,
nas primeiras crises ou até se chegar ao diagnóstico, a sensação
e a descrição do medo de um infarto ou algum problema cardíaco é
comum. E faz total sentido, visto que a crise nada mais é do que uma
resposta de luta ou fuga exacerbadíssima, muito intensa. Após
entender algumas características da crise, memórias interoceptivas
são criadas, e é ai que fica mais interessante a discussão: a
memória interoceptiva faz com que sensações
físicas neutras (ex.: aceleração cardíaca por exercício ou café)
sejam lembradas como sinais de perigo. Essa “marca corporal” cria
algo que podemos chamar de hipersensibilidade
interoceptiva, ou seja,
a pessoa percebe variações fisiológicas sutis e as interpreta como
prenúncio de nova crise (“vai acontecer de novo”). É um
mecanismo de condicionamento
clássico:
o corpo aprende a associar taquicardia, tontura ou falta de ar ao
episódio de pânico anterior.
Resumindo,
nosso corpo aprende com as experiências. As mesmas experiências que
formam nossas memórias declarativas, que constroem a nossa história
e quem somos, também criam memórias interoceptivas, que vão nos
ajudar a tomar decisões mais rápidas no dia a dia, repetir o que
gerou prazer no nosso corpo (ponto interessantíssimo para
discutirmos nas matérias sobre drogas que virão), a evitar
situações onde foi gerado desconforto, medo e sensações ruins.
O
tema é interessantíssimo, confesso que novo para mim, então vou
continuar estudando e trazendo novidades.
O
fato é, nosso cérebro é absurdamente incrível, neurociência é
vida!
Se quiserem se aprofundar no tema, recomendo as
seguintes referências:
Referências
Craig, A. D. (2002). How
do you feel? Interoception: the sense of the physiological condition
of the body. Nature
Reviews Neuroscience, 3(8), 655–666.
Critchley, H. D., &
Harrison, N. A. (2013). Visceral
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Paulus, M. P., & Stein, M.
B. (2010). Interoception
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Brain Structure and Function, 214(5-6), 451–463.
Khalsa, S. S., et al. (2015).
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Biological Psychiatry: Cognitive Neuroscience and Neuroimaging,
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Pollatos, O., et al. (2008).
Reduced perception of
bodily signals in anorexia nervosa.
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Damasio, A. (1996). O
erro de Descartes: Emoção, razão e o cérebro humano.
Companhia das Letras.