terça-feira, 7 de maio de 2019

Patologias dos nervos periféricos e músculos esqueléticos

Bom dia pessoal,
continuando nossa disciplina de Anatomia Patológica, hoje falaremos sobre as patologias mais comuns dos nervos periféricos e dos músculos esqueléticos.

O resumo é baseado no capítulo 27 do Livro Fundamentos de Patologia, do Robbins e Cotran.

As doenças neuromusculares são tipicamente caracterizadas por fraqueza e a maioria ocorre devido a desordens de algum aspecto na unidade motora.

A unidade motora consiste em:
  • Um neurônio motor (célula do corno anterior da medula ou neurônio motor do nervo craniano do tronco encefálico);
  • Axônio do neurônio em questão;
  • Fibras musculares inervadas pelo neurônio.


Quando falamos fibras nervosas, estamos falando dos axônios dos neurônio motores e suas respectivas células de Schwann, que formam a mielina fora do SNC. Nervos periféricos são múltiplas fibras nervosas agrupadas em fascículos por bainha de tecido conjuntivo. Nervo mielinizados e não mielinizados se entremeiam dentro de cada fascículo.

  • Fibras não mielinizadas superam em número as fibras mielinizadas;
  • Nas fibras mielinizadas, as células de Schwann sozinhas mielinizam cada segmento axonal (internodo) separado por nodos de Ranvier;
  • Nas fibras não mielinizadas, cada célula de Schwann pode envolver de 5 a 20 fibras.
O tecido conjuntivo do nervo periférico é dividido, de dentro para fora em: endoneuro, perineuro e epineuro (isso já foi discutido com mais detalhes em Histologia).

Fibras sensoriais e motoras são separadas na medula vertebral nas raízes anterior e posterior, respectivamente, se entremeiam dentro dos nervos que saem do canal medular.

O músculo esquelético é formado por fibras musculares, contendo diversas repetições de sarcômeros. Estes, por sua vez, são formados por actina e miosina e são considerados as estruturas contráteis do músculo. 

Reações Gerais da Unidade Motora:

Uma doença neuromuscular pode ocorrer em um ou mais dos três segmentos da unidade motora apresentados na figura que se segue:


  • Desmielinização Segmentar:
A perda de mielina é causada pela disfunção da célula de Schwann ou por dano primário à bainha de mielina. O axônio subjacente é normal. Axônios desnudados estimulam a remielinização e as células precursoras dentro do endoneuro podem substituir as células de Schwann. O reparo não é perfeito, as distâncias entre os nodos de Ranvier são encurtadas e a bainha de mielina é mais fina.

Se um nervo sofre decorrentes desmielinizações e remielinizações, camadas de processos das células de Schwann se acumulam ao redor do axônio (parecido com bulbos de cebola). Se as desordem desmielinizantes forem crônicas, o axônio pode também ser lesionado.

  • Degeneração axonal e Atrofia de Fibra muscular:
A lesão axonal primária pode ser focal (devido a um trauma ou uma isquemia) ou mais generalizada (neuropatia ou axonopatia). O dano axonal precipita a dissolução secundária da bainha de mielina.

Degeneração Walleriana é a reação distal frente a um axônio transeccionado. Isto reflete a quebra axonal e da mielina com recrutamento de macrófagos e fagocitose. O nervo proximal não lesionado pode apresentar degeneração focal de dois ou três internodos mais distais antes de se submeter à atividade regenerativa. As fibras musculares da unidade motora sofrem atrofia por desnervação, com os miócitos se tornando menores e mais angulares, porém. ainda viáveis.

  • Regeneração de Nervo e Reinervação Muscular:
Tocos proximais de axônios lesionados podem crescer novamente, guiados pelas células de Schwann. A regeneração procede por volta de 1 mm/dia, grandemente limitado pelo lento transporte axonal.

A reinervação das fibras musculares atróficas ocorre quando axônios não danificados de unidades motoras vizinhas estendem brotamentos e incorporam a fibra muscular na unidade motora saudável. O número de fibras musculares na unidade motora aumenta dessa forma. Além disso, as fibras recém-adotadas assumem o tipo de fibra conferida pela natureza do neurônio inervador. Isto leva a uma zona confluente de miócitos todos do mesmo tipo histológico e fisiológico. Lesão subsequente do nervo inervando aquela zona levará à atrofia por grupo.

Atrofia por tipo específico é um aspecto de alguns estados de doença. Como na atrofia do tipo 2, que ocorre na atrofia por desuso e é caracterizada por miopatia corticosteroide.

  • Reações da fibra muscular:
Além de vários padrões de atrofia, as alterações patológicas dos miócitos esqueléticos incluem:
  1. Necrose segmentar;
  2. Vacuolização;
  3. Regeneração;
  4. Hipertrofia.

A figura a baixo mostra todas as alterações citadas, as reações gerais de uma unidade motora:


Doenças do Nervo Periférico:

- Neuropatias Inflamatórias
- Neuropatias imuno-mediadas:

Famosa síndrome de Guillain-Barré (polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda) é uma paralisia ascendente que ameaça a vida. A incidência anual é de 3 a cada 100.000 na população geral.

- Patogenia: é provavelmente uma desordem imunomediada. Cerca de 60 a 70% dos casos são precedidos de vacinação ou por infecção viral (citomegalovírus, vírus Epstein-Barr) ou bactéria (Campylobacter, Mycoplasma). As células T e/ou anticorpos circulantes podem ser os grandes responsáveis pelo processo de desmielinização.

- Morfologia: as lesões mostram uma desmielinização segmentar com inflamação crônica envolvendo as raízes nervosas e nervos periféricos. O dano axonal também pode estar presenta em casos severos da doença.

- Curso Clínico: o quadro clínico é dominado pela fraqueza muscular. Os reflexos tendíneo profundos desaparecem cedo no processo. O envolvimento sensorial é geralmente menos dramático. A fraqueza começa nos membros, principalmente nas extremidades, mas rapidamente inclui os músculos proximais. Como a bainha de mielina é prejudicada, a velocidade da condução nervosa é reduzida. A morte ocorre em 2 a 5% dos pacientes devido à paralisia respiratória, instabilidade autonômica ou parada cardíaca. 20% dos pacientes apresentam incapacidades permanentes.

Quando o processo se torna crônico - polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica, segue um curso crônico e sub-agudo, onde os efeitos da desmielinização e da remielinização constantes aparecem em axônios com alterações em bulbo de cebola, como mostra a figura:



Polineuropatias Infecciosas:

- Lepra (Doença de Hansen/Hanseníase):

Mycobacterium leprae invadem diretamente as células de Schwann onde proliferam e eventualmente infectam outras células. As lesões incluem desmielinização segmentar e remielinização com perda axonal e fibrose do endoneuro e epineuro.


  • Lepra lepromatosa: a doença tende a ser mais severa e difusa. Os pacientes apresentam uma polineuropatia simétrica, principalmente nas extremidades (temperaturas mais baixas nas extremidades favorecem o crescimento bacteriano). Uma predileção pelas fibras de dor torna os pacientes relativamente insensibilizados.
  • Lepra tuberculoide: melhor responsividade do hospedeiro, refletida por nódulos de inflamação granulomatosa, leva à lesão de nervo mais localizada.

- Vírus Varicela-zóster:

Conhecida no Brasil como catapora, é a infecção pelo vírus varicela-zóster (varicela), o vírus permanece como uma infecção latente nos gânglios sensoriais do tronco encefálico e medula espinhal. Reativação subsequente leva a dolorosas erupções vesiculares na pele em distribuição dos demátodos sensoriais (catapora), mais frequentemente torácico ou trigemial. Os gânglios afetados exibem destruição neuronal com associado infiltrado celular mononuclear e os nervos periféricos mostram degeneração axonal.



Neuropatias Metabólicas adquiridas:

- Neuropatia periférica no início adulto de diabetes mellitus:

A prevalência da neuropatia periférica na diabetes depende da duração da doenças: metade de todos os diabéticos tem alguma manifestação. Glicosilação proteica não enzimática e dano mediado por poliol são ambos responsabilizados causalmente:

  • Neuropatia distal sensorial simétrica ou sensório-motora (tipicamente uma neuropatia axonal com perda de pequenas fibras). A perda sensorial é maior do que a disfunção motora. A perda da sensação de dor pode resultar em úlceras cutâneas que curam pouco devido aos problemas vasculares da diabetes.
  • Neuropatia autonômica: afeta entre 20 e 40% dos diabéticos - as sequelas clínicas incluem hipotensão postural, esvaziamento incompleto da bexiga urinária e disfunção sexual.
  • Neuropatia assimétrica focal ou multifocal (por exemplo, a paralisia do nervo ocular unilateral) são consideradas secundárias à insuficiência vascular dos nervos periféricos.
Neuropatias Traumáticas:

  • Lacerações ocorrem com lesões cortantes ou fraturas ósseas onde fragmentos afiados cortam um nervo;
  • Avulsões ocorrem quando um nervo é colocado sob tensão (por exemplo, com força aplicada a um membro);
  • Neuromas traumáticos podem ocorrer após transecção ou dano de um nervo. Esses são nódulos dolorosos de axônios emaranhados no tecido conjuntivo de brotos de regeneração axonal;
  • Neuropatia compressiva (neuropatia de encarceramento) ocorre quando um nervo é comprimido, muitas vezes dentro de um compartimento anatômico. Um exemplo característico é a síndrome do túnel do carpo - envolvendo o nervo mediano na altura do punho - é a neuropatia de encarceramento mais comum. Ela ocorre em condições que reduzem o espaço abaixo do ligamento transverso do carpo (por exemplo, edema, gravidez, doença articular degenerativa, hipotireoidismo, amiloidose ou uso excessivo do punho). Outros nervos propensos às neuropatias compressivas são o nervo ulnar no nível do cotovelo, o nervo fibular no nível do joelho e o nervo radial no braço superior.

Doenças do Músculo Esquelético:

- Distrofias Musculares:

Existe um grupo heterogêneo de desordens hereditárias, muitas vezes iniciando-se na infância e caracterizado clinicamente por fraqueza e emaciamento muscular progressivo.

- Distrofia Muscular ligada ao X (Distrofia Muscular de Duchenne):

A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é a forma mais severa e mais comum de distrofia muscular. A incidência é de 1 em 3.500 nascidos do sexo masculino. Ela é manifestada clinicamente na idade de 5 anos, e os pacientes se tornam dependentes da cadeira de roda normalmente entre os 10 e 12 anos de idade. A doença progride implacavelmente até a morte, por volta dos 20 anos. 

- Patogenia: o gene DMD responsável no Xp21 codifica a proteína distrofina, responsável pela transdução das forças contráteis dos sarcômeros à matriz extracelular. A maioria das mutações são deleções e mutações pontuais. Dois terços são familiares e o restante são derivados de novas mutações. O músculo do paciente com DMD tem distrofina quase indetectável.

- Morfologia: os casos de DMD podem exibir fibras hialinizadas com falta de estriações transversais, aumentadas e arredondadas. Os músculos apresentam:
  • Variação de diâmetro da fibras musculares, com fibras que variam de pequenas a gigantes, algumas vezes com partição de fibras;
  • Número de núcleos aumentado.
  • Degeneração, necrose e fagocitose das fibras musculares;
  • Regeneração das fibras musculares;
  • Proliferação do tecido conjuntivo endomisial;
  • Nos estágios tardios. os músculos estão inteiramente substituídos por gordura e tecido conjuntivo;
  • Tanto as fibras do tipo 1 e 2 estão envolvidas, sem alteração na distribuição relativa.
- Curso clínico: a fraqueza começa nos músculos da região pélvica, se estendendo aos músculos da região do ombro. A parte de posterior da perna se torna hipertrofiada e associada à fraqueza (pseudo-hipertrofia). As alterações patológicas também são encontradas no coração (insuficiência e arritmias) e o comprometimento cognitivo é um componente da doença. Doentes do sexo feminino portadores  e do sexo masculino afetados têm risco de desenvolvimento de miocardiopatia dilatada. A morte, normalmente, resulta da insuficiência respiratória, infecção pulmonar e descompensação cardíaca.

- Miopatia Tóxicas:

- Miopatia Tireotóxica:

Se apresenta como uma fraqueza muscular proximal que pode preceder disfunção clínica da tireoide. Necrose de fibras musculares, regeneração e linfocitose intersticial podem estar presentes. No hipotireoidismo, câimbras musculares e movimentos letárgicos estão associados à atrofia da fibra, número de núcleos internos e agregados de glicogênio.

- Miopatia por etanol:

O consumo excessivo de álcool pode produzir a síndrome tóxica aguda de rabdomiólise dolorosa acompanhada de mioglobinúria. Ela pode levar à insuficiência renal.

- Miopatias induzidas por fármacos:

  • Fraqueza muscular proximal e atrofia predominante de fibras tipo 2 podem ocorrer na Síndrome de Cushing ou durante administração de corticosteroide.
  • Cloroquina pode produzir miopatia proximal, marcada histologicamente por vacúolos autofágicos envoltos por membrana e corpúsculos lamelares curvilíneos intracelulares;
  • Miopatia induzida por estatina ocorre em 1 a 2% dos tratados.

Doenças da Junção Neuromuscular:

- Miastenia Gravis:

A miastenia Gravis ocorre devido a auto-anticorpos direcionados contra os receptores musculares de acetilcolina (AChR). Ela é mais comum em mulheres jovens, de até 40 anos, mas tem uma predileção de gênero igualitária em grupos de idade mais avançada.

- Patogenia: auto-anticorpos contra AChR podem mediar a fixação do complemento e dano direto à membrana pós-sináptica, acelerar a internalização e regular para baixo o AChR, ou bloquear a ligação da ACh.

- Morfologia: o exame do músculo por microscopia óptica não apresenta alterações significativas. Ultra-estruturalmente, as dobras juncionais estão reduzidas grandemente ou abolidas na junção neuromuscular e há expressão reduzida de AChR.

- Curso Clínico: Os pacientes classicamente se apresentam com susceptibilidade à fadiga, ptose e diplopia. Os sintomas pioram com a estimulação repetida. Os tratamentos incluem agentes anticolinesterásicos, prednisona e plasmaférese. Hiperplasia do timo ocorre em 65% dos pacientes e timomas em 15%. A retirada do timo pode melhorar os sintomas.



Espero que tenham gostado.
Bons estudos!

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