quinta-feira, 11 de março de 2021

Introdução à Neurofisiologia

 Boa tarde pessoal,

Continuando nosso curso de Fisiologia Humana, hoje vamos aprender os conceitos básicos da Neurofisiologia.




Podemos definir a Neurofisiologia como o braço da Fisiologia Humana que estuda o funcionamento do nosso cérebro e do nosso Sistema nervoso (SN) como um todo, tanto a porção Periférica (SNP) quanto a porção Central (SNC).


A aula de hoje é baseada no Capítulo 45 do livro Tratado de Fisiologia Médica - Guyton e Hall


O sistema nervoso é um sistema único, devido à complexidade dos processos cognitivos e das ações de controle que pode executar. 

Ele recebe, a cada minuto, milhões de informações vindas de diferentes órgãos e nervos sensoriais, as informações vindas do ambiente que nos rodeia (mas anotem ai, o cérebro interpreta menos de 1% dessas informações, se não ficaria sobrecarregado - o restante dessas informações é trabalhado durante o sono).

Neurônio do SNC: a unidade funcional básica:

A célula por trás das principais funções do nosso Sistema nervoso são os neurônios, representado de maneira bem didática na figura acima. Mas nem só de neurônios é formado o nosso tecido nervoso, existem também as células da glia. Se quiser saber mais sobre as características do Tecido Nervoso, clique aqui!

Cientistas alegam que o nosso SNC possui mais de 100 bilhões de neurônios. Existe grande discussão sobre como se chegou a esse número, com alguns cientistas defendendo que existem menos, cerca de 70 bilhões. 

Independente de quem está certo, existe uma quantidade gigantesca de neurônios em cada um de nós.

A figura abaixo mostra o esquema de um neurônio típico do córtex motor cerebral:

Tratado de Fisiologia Médica - Guyton

Para diferentes tipos de neurônios, podem existir poucas centenas ou até cerca de 200.000 conexões sinápticas aferentes. Ou seja, muitos neurônios do nosso SNC recebem informação para caramba, vindas principalmente do meio ambiente através dos sentidos ou de nossos órgãos.

Por sua vez, o sinal eferente (do SNC para a periferia ou órgão-efetor, como os músculos) trafega por um axônio único. Esse axônio possui muitas ramificações que se dirigem para outras regiões do sistema nervoso ou para a periferia do corpo.

Característica especial da maioria das sinapses é que a informação (sinal) normalmente se propaga na direção anterógrada, ou seja, de um axônio de um neurônio precedente (pré-sináptico) para os dendritos do neurônio seguinte (pós-sináptico). Esse fenômeno possibilita que o sinal trafegue na direção necessária para executar as funções nervosas requeridas.

Na Neurofisiologia, diferente da Anatomia, costumamos dividir o Sistema nervoso em três porções: Aferente ou Sensitiva, que leva as informações dos nossos sentidos para o Sistema nervoso Central (SNC). Eferente, que leva as respostas do SNC para a periferia do nosso corpo, seja para os músculos para que ocorra a contração ou para as glândulas para que ocorra secreção. E, a terceira porção, o SNC, ou mais especificamente o nosso cérebro, que é a porção Integrativa, que recebe as informações, as interpretas e gera as respostas adequadas.


Divisão Sensorial do SN - Os receptores Sensoriais:

Muitas atividades do sistema nervoso se iniciam pelas experiências sensoriais que excitam os receptores sensoriais, sejam os visuais nos olhos, os táteis na nossa pele, os gustativos em nosso língua, dentre outras opções que estudaremos depois. 

Essas experiências sensoriais podem provocar reações imediatas ou essas informações podem ser armazenadas em memórias, para que o organismo responda adequadamente em datas futuras.

Essas informações chegam ao sistema nervoso (SN) pelos nervos periféricos e é conduzida imediatamente para múltiplas áreas sensoriais localizadas em:
  1. Todos os níveis da medula espinhal;
  2. Formação reticular do bulbo, da ponte e do mesencéfalo;
  3. No cerebelo;
  4. No tálamo;
  5. Em áreas do córtex cerebral.
É essa porção somática do sistema sensorial e os trajetos que que a informação faz até nosso SNC que é representada na figura abaixo:

Tratado de Fisiologia Médica - Guyton

Reparem, na figura, que a informação pode vim dos receptores táteis, de receptores sensoriais nos músculos, nas articulações e de diversos outros pontos do nosso corpo.

Mas, em comum, todas essas informações vindas de diferentes receptores sensoriais entram na Medula Espinhal e, a partir daí, seguem para as regiões do cérebro que são capazes de interpretá-las. Por exemplo, as informações visuais são levadas para o córtex visual, pois se chegassem ao córtex auditivo, por exemplo, não seriam interpretadas e não conseguiríamos enxergar. 


Divisão Motora do SN - Os Efetores:

O papel mais importante do SN é controlar as diversas atividades do corpo. Essa função é realizada pelo controle:
  1. Da contração do músculo esquelético apropriado;
  2. Da contração da musculatura lisa dos nossos órgãos;
  3. Da secreção de substâncias químicas pelas glândulas exócrinas e endócrinas (hormônios) que vão agir em diversas regiões do corpo.

Essas atividades são denominadas, em conjunto, como funções motoras e autônomas do SN, e os músculos e glândulas são chamados de efetores, porque são as estruturas anatômicas que verdadeiramente executam as funções ditadas pelos sinais nervosos.

Quem controla a parte referente aos músculos esqueléticos é conhecida como eixo Neuro-esquelético, enquanto o responsável pelos músculos lisos e glândulas é o Sistema Nervoso Autônomo.

Muito importante diferenciar aqui, é o fato de que o controle da musculatura esquelética é voluntário, enquanto todo o controle exercido pelo sistema nervoso autônomo é involuntário.

A figura abaixo mostra essa parte que denominamos "Neuroeixo motor":

Tratado de Fisiologia Médica - Guyton

Podemos observar na figura acima que os músculos esqueléticos podem ser controlados por diferentes níveis do SNC, incluindo:

  1. Medula espinhal;
  2. Formação reticular bulbar, pontina e mesencefálica;
  3. Gânglios da base;
  4. Cerebelo;
  5. Córtex Motor.
Importante ter em mente, nesse momento, que as regiões inferiores (medula e formações reticulares) são responsáveis principalmente pelas respostas musculares automáticas (como o reflexo de retirada quando encostamos no ferro quente), enquanto as regiões superiores comandam os movimentos musculares mais complexos, controlados por processos cognitivos cerebrais.

Processamento de Informações: função integrativa do SN:

Uma das grandes funções do nosso sistema nervoso é a de processar (de entender) a informação Aferente, de modo que sejam elaboradas respostas mentais e motoras apropriadas. 


Acreditem, recebemos tantas informações sensoriais durante um dia comum, que nosso cérebro descarta 99% delas, como sendo inúteis. 

Mas por que? Pelo simples fato de que se ele tentasse entender e processar tudo o que chega até a gente, a nível de estímulo, ele sobrecarregaria e provavelmente entraria em pane rapidamente. Por exemplo, não sentimos as regiões do nosso corpo que estão em contato com a nossa pele.


Porém, quando uma informação sensorial importante excita nossa mente, esta é imediatamente canalizada para regiões integrativas e motoras apropriadas do cérebro, para poder provocar as respostas desejadas. 

O papel das sinapses no processamento de informações:

A sinapse, resumidamente, nada mais é do que o ponto de contato entre um neurônio e o neurônio seguinte (ou uma célula efetora). As sinapses determinam a direção em que o sinal nervoso se distribui pelo SN.

As sinapses possuem uma ação seletiva, algumas vezes bloqueando sinais fracos, enquanto permite que sinais fortes passem, enquanto, em outros momentos, selecionam e amplificam sinais fracos, transmitindo-os em muitas direções ou mesmo em uma direção única.

A figura abaixo mostra uma representação simples de uma sinapse, entre dois neurônios. Conhecida também como o local onde ocorre a comunicação nervosa:



Armazenamento de Informação: Memória:

Muitas informações que chegam ao nosso sistema nervoso são armazenada para controle futuro de nossas atividades motoras e para uso nos processos cognitivos. A maior parte desse armazenamento ocorre no córtex cerebral, mas mesmo regiões subcorticais do encéfalo e medula espinhal podem armazenar pequenas quantidades de informação.

O armazenamento de informação é o processo que chamamos de memória, que também é uma função exercida pelas sinapses.

Imagine que você sente alguma coisa pela primeira vez (sabor de alguma comida, cheiro de um perfume), para isso, sinais passam através de uma sequência específica de neurônios e de sinapses. Depois da primeira vez, essas sinapses ficam mais capazes de transmitir o mesmo tipo de sinal em outra oportunidades. Isso é o que chamamos de Facilitação. Depois desses sinais sensoriais percorrerem várias vezes essa sequência de sinapses, estas ficam tão facilitadas que sinais gerados no próprio SNC podem promover a transmissão de impulsos pela mesma sequência de sinapses, mesmo na ausência da aferência sensorial. Isso nos dá a sensação de estarmos experienciando a sensação original, embora essas percepções sejam apenas memórias da sensação. É por isso que você lembra o gosto da comida da sua avó, da sua mãe, só de pensar em algum prato específico que elas faziam.

O processo de formação de memória envolve diversas outras etapas e diversos outros fatores, e por isso, será discutido em aula específica.

Uma vez que as informações tenham sido armazenadas no SN sob a forma de memórias , elas passam a ser parte do mecanismo do processamento do cérebro, para uso futuro sob a forma de pensamento. Isso significa que os processos cognitivos cerebrais começam a comparar as novas experiências sensoriais com as memórias armazenadas (da mesma forma que serviu e serve como mecanismo de sobrevivência e de aprendizado, é assim que você consegue comparar o hambúrguer da hamburgueria em que se encontra com aquele da sua hamburgueria preferida). Visto dessa forma, as memórias ajudam a selecionar uma nova informação sensorial importante e transmiti-las às áreas apropriadas de armazenamento de informação, para uso futuro, ou para áreas motoras, com o intuito de provocar respostas efetoras imediatas.

- Principais Níveis Funcionais do Sistema Nervoso Central

O sistema nervoso humano herdou capacidades funcionais especiais de cada um dos seus estágios evolutivos. Dessa herança, três níveis principais do SNC tem características funcionais específicas:

  1. Nível da medula espinhal (medular - cérebro reptiliano);
  2. Nível cerebral inferior ou subcortical (límbico);
  3. Nível cerebral superior ou nível cortical (neocórtex).

- Nível Medular: acreditamos, muitas vezes, que a medula espinhal é apenas um caminho (uma via de passagem) em direção ao encéfalo ou em direção oposta. Isso não é verdade, porque muitas funções são derivadas de circuitos neurais presentes na medula, como a marcha, reflexos de retirada (quando tiramos, involuntariamente, a mão de uma assadeira quente), reflexos que enrijecem a perna para sustentar o corpo contra a gravidade. Níveis superiores do cérebro utilizam, também, a medula espinhal para enviar seus sinais e cumprir suas funções;

- Nível Cerebral Inferior ou Subcortical: maior parte das atividades que chamamos de subconsciente são controladas por regiões encefálicas subcorticais (bulbo, ponte, mesencéfalo, hipotálamo, tálamo , cerebelo e gânglios da base). Por exemplo, o controle da pressão arterial, o controle da postura,  reflexos alimentares (salivação), respiração, além de diversos outros, como a agressividade e a resposta sexual.

- Nível Cerebral Superior ou Cortical: quais funções então restam para o nível cortical? O córtex, além de ser o grande armazenador de memórias (nosso HD interno), é necessário para o bom controle das funções dos níveis inferiores e é o grande responsável pelos nossos processos mentais, por nossa consciência, por nossos pensamentos e sentimentos. É ele que abre o mundo de informações armazenadas para que seja explorado pela mente, criando nossas habilidades intelectuais.

- Sinapses do Sistema Nervoso Central (SNC)

As sinapses, podem ser definidas de uma forma bem simplista, como o local de contato entre os neurônios. Ou seja, o ponto de comunicação neuronal, onde as informações são passadas de um neurônio para o outro ou ainda de um neurônio para uma célula efetora.


Existem dois tipos principais de sinapse em nossos corpos: 
  1. Sinapses Elétrica: menos comuns em animais vertebrados (incluindo nós, obviamente);
  2. Sinapses Químicas: maioria das nossas sinapses.

As sinapses elétricas ocorrem pela formação de canais quando as proteínas integrais de membrana de dois neurônios se unem, essas estruturas recebem o nome de Gap Junction ou Junções Comunicantes. Essa junções comunicantes permitem a livre passagem de íons de uma célula para a outra. É através desse tipo de sinapse que as células musculares cardíacas se comunicam e conseguem realizar uma contração rítmica e coordenada.

De forma bem simples, a sinapse elétrica é representada na figura abaixo:


As sinapses químicas são maioria em nosso Sistema Nervoso, nessas estruturas de comunicação, o primeiro neurônio (pré-sináptico) secreta uma substância química, conhecida como neurotransmissor, que vai atuar em proteínas receptoras na membrana do neurônio subjacente (ou seja, o neurônio conhecido como pós-sináptico). No neurônio pós-sináptico, esse neurotransmissor pode promover excitação, inibição ou modificar de outro modo a sensibilidade dessa célula.
Hoje, conhece-se mais de 40 substâncias neurotransmissoras, algumas muito conhecidas como a Acetilcolina, a Serotonina, a Epinefrina (adrenalina), a Norepinefrina (noradrenalina) e a Dopamina.

Quando falamos de sinapse química, precisamos ter em mente que a direção da transmissão sináptica é sempre unidirecional, ou seja, do neurônio pré-sináptico para o neurônio pós-sináptico. Esse mecanismo é conhecido como Mecanismo de Condução Unidirecional.

Para representar a sinapse química, observe a figura abaixo:


Reparem que a sinapse química é mais complexa e envolve algumas etapas, que começam com o potencial de ação chegando ao terminal sináptico, a abertura dos canais de cálcio dependentes de voltagem, o influxo de cálcio, a sinalização para as vesículas sinápticas, a exocitose de neurotransmissores até a ligação desses neurotransmissores nos receptores de membrana da célula seguinte, continuando a transmissão da informação.

A sinapse química será melhor detalhada na próxima postagem de Fisiologia.

Bons estudos.

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